quinta-feira, 28 de abril de 2011

O CHORO DOS DEUSES


INFINITO BERRANTE



O palco é um grito! Um aaaaaaaaaa

do seu sem direção. E você não pode

ter medo de gritar e soltar você

gigante. Você: infinito berrante!

 

De muitos infernos vem a vida.

Faminta e voraz sobre o já feito,

o já vivido. A vida é inventada

em todo canto ecoando distante

 

E as flores estão dispersas de amor

daqui de lá o homem nasceu pra amar

e depois morrer de amar o amor

morrer de cantar a dor de amar o amor

 

Porque amantes nós somos mágicos

mas amando nos tornamos trágicos


TALHE ETERNO
‘Há sempre algo de ausente que me atormenta’
(Camille Claudel)



Toma meu corpo, meu amor, a teus pés!
A eles, sim, dedico esta canção.
Quanto do que sou, se sou, tanto és,
por beijar-lhes suave como às mãos.

Hei de sonhá-los e assim esculpir
o movimento a cor a linha.
Algo que há neles... Parecem rir,
mas a dura pedra não adivinha.

Nem ouve o apelo irmão do vento:
- Tão logo chegará rigoroso inverno.
Segue o teu caminho, esquece o tempo,

pois só a velha lama verde do brejo,
caminho das almas no esquecimento,
fabricaria seu talhe eterno!

UM GUARDA-CHUVA



Um guarda-chuva
esquecido no banco
vazio da igreja.


Um guarda-chuva
sem chuva sem sol.


De joelhos a pressa

já cumpre a promessa
e o mérito da graça.


Que tolo! O beato
nada sabe da praça.


Um guarda-chuva
que triste ri
no santo encosto.


Rei morto, rei posto.


PALHAÇO DE DEUS
“Eu sou palhaço de Deus”
Vaslav Nijinsky



Quando a graça e o riso
no espelho despida face
a musculatura os ossos
em partes o seu disfarce


não grite ao gozo da carne
o arrepio nos ombros
guarde dentro dos seus olhos
o silêncio dos assombros


E quando puser a dor
na mesa a vida vazia
e entre migalhas o amor


beber, rir, erguer o braço:
poesia! poesia! poesia!
lágrimas de um palhaço.


CALEIDOSCÓPIO




Um pássaro longe,
dispersa canção...
E é só um som presente

na arrebentação.

Vem dali o futuro!
Depois bateu a porta
e está solto e tudo

voa em volta da volta:

dançarino tango,
a dor em cuidado,

ondas ao oceano...

E o tempo não existe;
às vezes, passado,
e ainda nos assiste.



SONETO PARA O BISPO DO ROSÁRIO



A última foi mais de dez mil. Assim!
Mas insiste o mundo ainda bem vivo
como as cartas de um velho baralho.
Eu construo um muro com cacos de vidro.

Que importa tenhamos lembranças tolas?
Respiro o passado. Não há futuro.
Vejo as flores, suplicantes montanhas,
descampados à tarde. Eu não me iludo.


Quando estamos perdidos nada de fato
possuímos. Sorrimos inchados da manhã,
a fome é um desequilíbrio no prato.


Pânico solar, qual o quê? Humanos!
Estamos aí como que em suspenso...
Você olha. Eu não existo. Eu não penso.