domingo, 28 de agosto de 2011

SE EU FOSSE HILDA HILST


SE EU FOSSE HILDA HILST


se eu fosse Hilda Hilst

faria pra você um lindo poema

mas louco e sabendo do amor tão pouco

seria meu outro o dilema


se eu fosse Hilda Hilst

e de terríveis asas a cantilena

porque de silvos caminhará o torto

cortando os pulsos pelas algemas


se eu fosse Hilda Hilst

ou a chuva que tristíssima desaba

ou o sol que atravessou de raios o rosto

do meu fantasma que me aguarda


se eu fosse Hilda Hilst

íris coruscante da fresta-palavra

seria de cinzas, porque eu estava morto

no luto que não tarda e o cão ladra


se eu fosse Hilda Hilst

e o amanhã na minha flauta

e ao dizer ‘o veneno do seu corpo’

não soaria barata a cantata


se eu fosse Hilda Hilst

ou a capela, um solo, uma sonata

e por só ser seria menos que um sopro

assim a dor se basta, inexata

VENTOS QUE ECOAM TRISTES


Que delicadezas tocarão o meu olhar?

Sei de verdes ventos que ecoam tristes.

Por estas montanhas o mar distante eu sonhei

e inventei novos segredos para as palavras.


Do veludo crepúsculo já vi chorar

o sol nas tardes. E sim! Por estas colinas

selvagem o meu cavalo sombrio rindo

sabia calar as velhas pastagens das vacas.


Ah! Os mesmos homens empestados e vorazes,

fediam a álcool, cigarro e a muitos outros homens.

São estes, bem vejam, os intratáveis ruminantes.


Eu veloz dentro da noite silencio antes,

espreito as passagens dos que ainda dormem,

disfarço meu retrato. Eu sou paisagens.


ENTRE OS DEDOS


Opinião ambulando, som procurando

sombra e água fresca. Chuva que Deus dá,

Deus dará, Deus aos seus sempre dá,

tem mais Deus nos deuses meus que o dia pra tirar.


Alimentem nosso mais muito mais,

vinho tinto que se brinda sobre a mesa,

escorre entre os dedos o banquete de usura,

todo mundo é pedra que um dia a cerca fura.


As janelas voam de dentro das casas,

porta que se abre sem parede

se você tem sede, se você tem sede


não importa a porca sem rosca,

se rosa é boca a boca, se toda prosa é pouca,

se a vontade é mesmo louca se você vem...


NO ESPETO




Se falsos profetas de fina estampa

esparramam em ramos rimas rimos...

E pouco importa o pau oco da santa,

o ritmo saltimbanco que assistimos.


Livre a poética acaba um dia tísica.

Alegoria é pra gringos e propinas,

o ovo da gema, o corvo-ema, a física.

A sabedoria atalho por Minas.


Outras fantasias mantêm meu carnaval;

aos poucos, revelo-me o fim do estio.

Por nadar o nadador nada igual!


Soubesse eu o fio-cio do mio no mio,

lançava o gato escaldado seu vau,

cobra diante do pedaço de pau.

ANTES DE DORMIR



Eu desentendi a grande estrada

Pura desilusão. E efeito

sonoro teorema do nada.

A fala longe do conceito.


Tudo meta, mas sem o problema

Lengalenga ímã e cacete..

Estilo drama de cinema:

Alheia a lágrima, salve o enfeite.


Esse depois dos trinta e dois,

trinta e três do segundo tempo...

E se percebe: não tem nós dois!


Cansei de ser vento. Não vento

Sou silêncio que desalinha.

Pobre lua. Jamais será minha.


ELES DORMEM



O povo

não sabe

do choro

do poeta

não sabe

como as palavras

que pareciam doces

tornaram-se ásperas


O poeta

não sabe

do povo

que chora

não sabe

dos seus tormentos

por mais sinceros

seus sentimentos


O homem

chora

por despedir-se

do agora

mastiga e ora

e pede por águas

inverno e colheita

depois se deita


O povo

dorme

de barriga a meia

seu verbo

odeia a roda

o violão na praça

ah, seus sonhos de sobras

roncos de ideias e obras


O poeta

se cobre

sua lança na veia

não fere

ode ao pódio

desfere seu corte

mas prefere as garras

das palavras leopardas



2 comentários:

Lou Albergaria disse...

genial! magnífica composição!

se eu fosse Hilda Hilst
beberia até acabar meus dias
sem medo de me (ar)riscar
abriria uma letra, e
faria um strip tease...

Bravo, poeta!!!

Beijos!!!

Cesar Póvero disse...
Este comentário foi removido pelo autor.