sábado, 28 de maio de 2011

SONETO NO VELHO DO ESPELHO


SONETO NO VELHO DO ESPELHO


Não, não é tarde. Olha! Sua pele

anda pálida de outros companheiros.

Deixa por um momento o que não fere,

parte se não são ao todo dois inteiros.



Loucura será a noite nas estrelas,

a prece que acolhe a fé dos romeiros,

ser amor com amor depois de vê-las,

os anjos que nos chamam seresteiros.



A emenda sem soneto o leite entorna

na borda dos seus sons, dos seus sineiros...

Ouça a oração que a dor adorna.



O amor não dorme. Ele põe a corda!

As baratinhas no velho do espelho...

Não se dá conselho (não eu). Mas acorda!





DEUS LHE PAGUE




Eu mendigo

Tu mendigas

Ele mendiga

Nós mendigamos



Vós mendigais

Eles mendigam

Eu amém digo

Tu amém digas



Ele amém diga

Nós amém digamos

Vós amém digais


Eles também

Eles amém

Depois nem





EU (Inconfidente)


Rio ao contrário, de noite sou água,

qual veio de dentro do canto das Iaras.

Sim! Sou pactuário. Não do diabo,

mas do deserto seco das palavras.



Mino entre montanhas, sol do meio-dia,

seja vale ou correnteza a espora da poesia.

Nas crinas que vento o mar imaginário

pensamentos são nuvens. Eu não me escudo.



Leito sobre o Saara sem mágoas. Por fim,

lágrimas são pra chorar seu veludo...

O que não é bom, nem sempre é ruim.

Em quais outras margens me teriam desnudo

Em mim só a luz é úmida. Assim.
por este frio fio me queimo, translúcido.

Negrito
EU VOU TE AMAR ATÉ MORRER


Eu vou te amar até morrer

como se amar fosse cantando

como se cantar fosse calando

o amor que sinto por você



Eu vou te amar até esquecer

como se amar não fosse tanto

como se lembrar fosse meu canto

que eu vou te amar até morrer



Eu vou te amar e amar sofrer

como se amar um amor fosse assim

como se nunca houvesse fim



Eu vou te amar e bem querer

eu nos teus braços amanhecendo

como se o amor fosse nascendo




AOS
TEUS
PÉS


Ainda que o nosso amor, raivoso cão,

pouco depois da pele em febre se lançasse

louco no avesso do que foi a paixão

em aço, veneno, engasgue, desenlace...


Ainda que sim! Eu te pedisse perdão!

E a água do mar revolto se acalmasse

na abissal encosta da minha oração,

e, aos teus pés, ateu eu me ajoelhasse...


Ainda que a tua dor cessasse ou não,

e amar-te no fim sem que jamais alcançasse

a onda nas pedras dessa maré sem chão.


Ainda assim, meus versos, minha canção,

e toda verdade não é mais que um disfarce

com seu enredo, seu fado e explosão!



NAS COXAS



Veja bem, meu amor, não era
bem assim esse acontecimento.
Você na ponta da modernidade
não vai mesmo admitir o tempo.


Não que eu represente menos,
todo mundo cria sua história.
Suporto as maiores banalidades,
mesmo sua falta de memória.


Você finge me esquecer e eu
nem lembro mais de você, não
não sou eu a levantar questão


Mas a discussão chegou ao seu
nível mais chulé: me devolve o livro
da Ana C. que eu largo do seu pé.


O
LOUVA-DEUS
E A SAÚVA



A poesia repousa de lua seu guarda-chuva.
No entanto, lúdico, brinca de pute o espírito:
seu louva-deus abençoando a luta da saúva
em cada canto que lavra a palavra grito,


válvula de escape, a verve, o v da vulva,
a mesma faca, a velha luva, seu clivo
doce do atrito na rima acre da uva,
qual foice, um eco, cisco no olho aflito.


Almas dionisíacas aqui dançam em brasas
a culpa na bebida de um vinho maldito
que perto demais do sol aproximou as asas.


Além dos nossos vícios o mesmo infinito
nos afundando lentamente em águas rasas,
de lama em lama, de lodo em mito.


segunda-feira, 2 de maio de 2011

VIDROS CORTANTES



VIDROS CORTANTES





O ELEVADOR



Você pode até rir, mas elevador

assim como guarda-chuva

é objeto do mais engraçado.

Todo mundo é ridículo num elevador.



As pessoas constrangidas não falam

línguas diferentes. Até falam

muitas línguas, mas não falam.

Os perfumes, sim. Exalam.



O silêncio observa enquanto sobe

e desce. Eu lembro das formigas

brotando da terra reivindicando

também o quinhão de luz.



Humanas formigas, aonde vamos?

Presente e passado conjugados.

E o futuro? O ensaio diário

que para sempre nos anunciará.



Para sempre é tempo demais.

Eu não me importo de morrer

se só por um momento eu puder

voar. Se este elevador me deixar



um pouco mais neste terraço

quem sabe me lanço no espaço?

Que nada. Não se preocupe,

eu abro os braços e o mesmo céu de Minas.



O mesmo céu de todos os céus,

uma ilusão azul: a alma do universo.

O verso que não passou de um desejo

de gritar. Aaaaaa... E a força do poema:



as palavras que ventam aqui de cima

arrepiam rimas. Palavras-fêmeas.

Palavras-gêmeas. Por isso cuidado,

meu amigo, com um ai você tropeça


e cai...

DESEMPRE
GADO


desempregado
sempre gado sem gato
por lebre sem eros nem febre
sem nada qfale na fala


DELEUZEANDO-SE



Minha provisão é pouca

No olhar distante se fez

A paisagem

Eu vivo de passagem



Não tenho o que levar

Quando a vida se faz

Assim urgente

Posso partir de repente



Das músicas que ouço

No peito a feminina voz

Eu sei de cor

Fica o meu bem maior



Mas do homem macho

Branco padrão persiste

Uma canção atroz

O homem é uma rima feroz



O MENINO QUE PERDEU SUA BICICLETA



o menino desce o morro correndo

o morro c o r r e n d o o morro

o menino o morro

o menino no morro

correndo o morro

o morro correndo

o menino morrendo

no morro do poema

o menino por Ipanema

c o r r e n d o do morro

o menino m o r r e n d o

o m o r r o cansado

o menino na cena


- onde tá a bicicleta do menino?

PRESSUPOSTO



homem é muito duro

mulher finge quando não goza

OBJETO MULHER



Os objetos perfeitos

inventados pelo homem:

o livro e a colher



Mas o que move o mundo

não é nem a roda

É o diabo da mulher!



Se criada por Deus

para assim ser criada

criar crer e morrer



De entranhas a mulher

do pavio a pólvora

ela somente quer ser



Que antes de acender

e sorrir a sua aurora

e seu homem derreter



Ou não na sua fogueira

será sempre feiticeira

ao precisar se defender



Se de César honesta

ela nem precisa ser;

mas tem que parecer!



Mulher entre objetos

semeando seus afetos
que nunca vai colher

VASO ESCURO



Eu não estabeleço novas ordens:

Rio de varizes, veredas eternas...

Do vinho pouco e belo dos jovens

Eu espero e bebo como as putas velhas



Que tudo em mim são crepúsculo e espelho

Sim! Eu sei andar pelas pedras em trevas

Feito barro no escurecer vermelho

Eu sei me escorrer de noturnas eras



Eu sou um vaso escuro de misérias

Eu sou aquele deserto de aquarelas

E eu sou a miragem de deuses perdidos



Se estiverem mortos ou vagam vivos?

Eu viajo em seus labirintos de janelas

Eles que jamais passarão por elas

AMBULÂNCIAS E ROSAS
Pra Alexandre kirschmayer


- Não serei nunca o poeta que eu teria sido mesmo sendo assim comigo tão parecido ainda assim sei que não serei nunca o poeta que eu teria sido se assim comigo sou tão parecido mesmo sendo o que em nós é o que dos outros tem permanecido parece-me que só o que fica dos outros seja o que de verdade somos em definitivo ainda que sós no somente nosso assim vivo com tudo que tenho vivido parto com o esforço de já ter ido e nem bem chego com a ansiedade de viver partido rindo vindo dessas minhas estradas eu me acho nas partes das palavras desencontradas sou essa rodoviária anunciando o próximo ônibus sem parada onde as pessoas passam desconfiadas arrastando bolsas sacolas e outras crianças perdidas eu choro nos olhos delas por essas minhas idas apresento documentos e os melhores sentimentos atentos meus olhos me mantêm como se me tocassem sirenes silenciosas adormeço ambulâncias com sonhos de rosas e que ninguém ouça o nosso medo com sono pois que assim se dorme quando se é muito seu dono


VIDROS CORTANTES
Pra Carlos Amorim


- Mas meu amigo

Que falta de juízo

Lá fora esse perigo

Ainda nos assalta



Foi ter sobrevivido

Dentro noite alta

Olhar se guarda

A lua na sala



- Mas meu amigo

É madrugada

Rugem a aurora

E o seu vermelho



A nos saldar

Com sua ferrugem

O sol primeiro

Atravessou o mar



- Mas meu amigo

Sorrindo raio

Nas flores de maio

Que venho ofertar



O sonho mais lindo

Fez voltas no ar

Desfilou cores

Além das que há



- Mas meu amigo

Meu papagaio

Meu vento passou

Longe eu vou



Levo este amor

Foi tudo antes

Cacos de luz

Vidros cortantes