domingo, 15 de janeiro de 2012

ESSES CARRASCOS SÃO HOMENS TÃO DELICADOS


ESSES CARRASCOS SÃO HOMENS TÃO DELICADOS



Onde você se diz inconfessável foi sempre onde me fascinou! Ultimamente tenho pensado na morte da máquina e na arte. E em como o homem depois de representar a natureza, e a si mesmo, passou a representar a máquina “morta”, superada ou em desuso. Quem nunca arremessou algo que estragou contra o mundo? O homem antes diante das coisas criadas pelo criador, depois como coisa criada, e agora criadora. O homem senhor de um botão como os carrascos desse mundo de miseráveis. Os inconfessáveis! Uns tão delicadamente nos apresentam o brilho da lâmina.



Anteontem revi Estamira. E só hoje pela manhã soube que ela tinha morrido. Tenho essa mulher ao lado de Deleuze dentro de mim. Meu Riobaldo atravessou um deserto no último mês. Sinto um sertão maior! Não! quase nunca tenho certeza do que estou fazendo. A vida é sábia e aprendi a não brigar com os caminhos dela. E a arte! Ela é a esquina do erro.


“- Perdão senhor! Eu o machuquei? Esses carrascos são homens tão delicados!” escreveu Victor Hugo. Tenho muito medo dessa relação Rodin x Camille. Particularmente não gosto de intelectuais somente porque são intelectuais. Aceito os que se despem dos tais. Viver sem rede no pensamento é terrível. Voltando aos amantes franceses, alguém analisou a obra de Rodin como um homem que caiu, e as da Camille estão em suspenso terrivelmente, eternamente caindo. 


 

Minha poesia o que penso ou deliro tudo todas as formas, mas o que eu amo mesmo é viver simplesmente e buscar sempre uma língua que possa ser universal. Falo das relações diárias, dos afetos. Conhecimento é só o necessário do uso ou do prazer.




Às vezes perdemos ou deixamos e nos libertamos. Henry Miller, um dos grandes admiradores da poesia simbolista de Rimbaud, diz, diante disso, que o tipo Rimbaud chegará a superar tipos clássicos de comportamento; como o introspectivo e inquieto jovem estampado pelo personagem Hamlet, de Shakespeare. 



 "Acho que existem muitos Rimbauds neste mundo e que seu número aumentará com o tempo. Acho que o tipo Rimbaud tomará o lugar, nos próximos tempos, do tipo Hamlet e do tipo Fausto. Até que o velho mundo morra de vez, o indivíduo 'anormal' será cada vez mais a norma. O novo homem se encontrará quando a guerra e a coletividade entre o indivíduo cessar. Veremos então o tipo de homem em sua plenitude e esplendor". 




quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

AS MÃOS DE EURÍDICE

AS MÃOS DE EURÍDICE
 
‘Onde está a linha da minha vida, Eurídice?’
Os versos e os números na roleta...
Mas já não dizem mais o que um dia eu disse:
- É preciso saber tudo para que esqueça!

Ah! Rota, estrelas na noite... E a lua tonta,
e meus ais medidos em suas águas salobras...
Desse monólogo eu nunca me dei conta:
veja, as joias as palavras nos levaram todas.

Entre todas as outras as tuas mãos, Eurídice,
‘Brancas mãos pedindo asas, ternura e amor’,
mas não dizem mais, nem dirão o que um dia eu disse:

na roleta onde os homens são eternos meninos
gira ainda a dor, velhas rimas apitam sinos,
navios que jamais partiram do cais-terror!


 CANTO DE DESPEDIDA

Perdemos em todos os portos
os encontros trazem herméticos
os segredos, mas são vazios,
são inócuos.

São corpos desviando-se de corpos.
As despedidas escondem em arquétipos
os medos, mas parecem rios,
parecem falsos.

Estou cansado dos corpos.
Eles desenham frenéticos
os desejos, mas estão frios,
estão mortos.


SAUDADE-NÉVOA

Quem mente
carrega uma corrente
sem dente é muito mais que uma janela
etéreo o saber faz-se ainda que invente
tem gente sem medo de passar por ela

ora de frente
vê-se o homem prudente
o olho rente e o que traz a espera
enquanto ser cais resiste em poente
enchente atravessando o ar-esfera

não não tente
mais um gesto inocente
o cativo aos teus ais e quem sente
vil parente essa mão que régua que alimente
a fera-lua existente na nuca dela

e a dor aparente
é dor de um ai plangente
eu sei que nem vivo mais sem a gente
mas me oriente a paz liberte a rua e a fúria em mim
e assim que jaz esta saudade-névoa
SONETO DE INFIDELIDADE

Amei. E como meu pai e os demais
fui sempre infiel ao ser amado.
Sabem os dedos o que a mão faz,
são dez em duas vezes, somado.

Amei ao preço de não ter endereço,
aos pés jogado ao ser armado.
Não, meu amor, eu não me queixo,
a cada beijo dado eu fui o seu soldado.

Amei este palco mais do que quis,
vivi aqui mesmo o meu inferno,
veio do efêmero, seio do eterno.

E os sonhos, as flores, a dor não diz:
entre os ladrões de querer roubado
eu fui aquele por haver sonhado.

CORAÇÃO POR ENGANO

Certeza mesmo ninguém tem.
Por seguidos meses esperei
o vento anunciando teus olhos.
Fiquei pra dentro, acordado
sono. Fui sem tempo
lento me perdendo...

Mas o inverno que fosse abril,
o amor é a próxima estação:
Eu sou mais verão! O sol então.
Noite dessas, só meu amor partiu
outono. Meu bem,
renasci meu dono.
Ensaiei uns passos, dancei, cantei
agudo maior, e quem diria?
Ninguém! Eu não ouço o abandono;
Manhã não perco de outro dia.
Não engano, com a dor
eu estou leviano.


AMOR SEM CASA
 Você chegou de madrugada
e não falou nada.
Não precisou de palavras
pra dizer que me amava,

deixou de lado as histórias,
outrora as noites trágicas.
E eu que nem imaginava
ter você onde estava

descobri que gritava ali
o nosso amor sem casa,
nosso amor que eu pensei
ter abatido as suas asas,

o nosso amor fez pra sempre
num beijo sua morada.
Então eu dei de ficar
contente. Fazer piada.

Chorei. Chorei rente,
um repente, e entre
as lágrimas uma era dourada
e no meu lábio assim selada.

Eternamente só mais um
silêncio de um momento
e o tempo todo pela frente
um sonho de um sonho.

Longe um dia que não passa
o juiz bate o seu martelo
enquanto você vem
num beijo e refaz o elo.


quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

VISITAR A GRÉCIA NO FUTURO


VISITAR A GRÉCIA NO FUTURO

Meu amor! Vazio e solidão são palavras, ideias e sensações que em nenhum desses sentidos me assustam pessoalmente! Algo me encanta ou causa riso. A coisa mais próxima em mim da loucura é a minha estranha capacidade de rir sozinho. 


Ah e dizem fazer humor é muito mais difícil do que fazer chorar! Ah os grandes atores são os que conseguem fazer alguém rir! Viramos um celeiro de besteirol! Detesto! Detesto tanto que quando a vida me leva para um entrave desses, eu rio de um jeito ao contrário. Rio mesmo! E nem sempre aplaudo. 


Chorar pra mim é o princípio do mundo. Alguém chorou ou algo e o drama humano se fez vivo! Eu não choro por mim, não sei mais me lamentar! E Deleuze fala tão bonito do lamento e da poesia. Mas lição maior ficou com a certa altura da leitura de um livro fundamental pra minha compreensão do mundo: A maçã no escuro da Clarice Lispector. 

 
Depois de ter denunciado o homem que ela amava, a personagem decide se abrir para ele e entregar o que tinha de mais delicado, mais sensível. A triste história de sacrifícios da sua vida! E ela fala longamente e sentidamente... E aquele homem secamente - A vida não é tão séria assim! 

 
Então antes que eu me diga toda minha história antes de dormir ou quando acordo ou quando a tarde não nos diz nada eu repito : A vida não é tão séria assim! Só não entendo por que nossos pais num sentido coletivo nos obrigaram a ilusão de que poderíamos nos programar, programar o futuro, que Deus ajuda quem cedo madruga... 

 
Tem uma música do Djavan que sempre quando penso e quero alguém num possível amanhã me vem essa imagem de que seria bom visitar a Grécia no futuro. Só sei e sinto tudo! E é lindo. A Grécia nossa de onde nos encontrássemos. Tal uma Pasárgada! Meu eu grego grita guerreiro desse querer sim. Difícil sair do sonho. A dor às vezes sorri.

 
Como o poeta de régua e compasso você traça o campo a ser percorrido não como o sonho do rio, mas como o rio que sonha sua trajetória e segue o seu leito de mapa. Sei que estou fugindo. O que é certo é que a Grécia vai estar dentro de nós onde estivermos. 


terça-feira, 3 de janeiro de 2012

BAGDÁ CAFÉ


BAGDÁ CAFÉ
 

 ‘Eu estou chamando por você’
grita a canção dentro do filme.
Areia deserto solidão:
- Vem ficar mais perto, meu lume!
E me deixa dizer que espero,
me deixa morrer de ciúme
se desperto o amor se for
sem eu supor quieto o crime.
Sei desses dias - sorriso e queda -
na corda bamba, passo íngreme.
Saindo incerto no meio da cena...
Ainda chamando por você
na mesma chama, meu vislumbre!

(O tempo se incumbe na arena)

 CHUVA DE VENTO
 
Chuva de vento
Chove de dentro
Do coração

Chuva de vento
Todo sentimento
Vem sem direção

Chuva de vento
Leva no tempo
Nossa canção

Chuva de vento
Todo momento
É revelação

VAZANTE DE GUIZOS
 
Eu iludido de luzes
E atarantado de sombras
Eu príncipe destronado
Vaguei entre fumaças e ondas

Eu solto fartei vazios
No branco vasos sem cores
Eu revelando aqui e ali
Despi um lodo de odores

Eu então apodreci de rios
Meus olhos sem correntezas
Eu sim! Vazante de guizos
De desertas cordilheiras

Eu fui esperar das palavras....
(Ria e assim em sono jazia
eu nem sabia de sua flores
no meu córrego de horrores)

  ALFINETE DE REI

 

?Quem quer viver para sempre
quem quer ser só aparente
se pra morrer essa gente
nascer sereia girafa serpente?

 ?Quem quer ser vil consciente
politicamente ser subserviente
se ninguém veio pra semente
alfinete de rei espeta o regente?

 ‘O homem não estava de todo ciente’
autoridade selou inconveniente:
- A cabeça se corta pela frente!

(pela raiz só mais um inocente)
Ser é mais ou menos diferente
se você sabe bem o que sente.
 

CÓRREGO DOS ARREPENDIDOS
 

Minha poesia nos afasta
Sim! De tanto silêncio seu
Chego a ouvir dentro de mim
Filetes de água escorrendo
Como se eu tivesse uma boiada
Em estranha estourada

Eu sinto a morte e seu hálito
Não sem alguma morbidez
Porque de alguma forma sobrevivemos
Dia após dia sabendo o próximo
Depois de se viver o primeiro
Pode ser o derradeiro

E não foi a enchente fazendo um rio
Do curral até o córrego
Os bois subiram o pasto
Uns sem olhos terríveis
Silenciosos do toque de um berrante
Bem no último instante

E por pouco não foram tomados
Não fosse meu pai e minha mãe
Selvagens gritando entre os latidos
E os desentrevados relâmpagos!
Porque o passado vem agora
Com seus mil estômagos?

Ainda que a chuva venha forte
E a velha ponte suspensa caia
Nos olhos de quem não somos mais
De quem nem fomos, mas disfarçamos
Então o que dói dentro da gente
Se as águas passam de repente

E nós reencontramos nossos pais
Agora como os velhos filhos
Nem é o seu silêncio na enchente
Pois nasce sempre um sol estribilhos
Com seus deuses vencidos
No meu córrego dos arrependidos