sábado, 15 de agosto de 2015

O homem invisível

O homem invisível
 


 
Eu me tornei um homem invisível
Aos poucos e em partes
Primeiro foram minhas mãos
Um dia ao tentar tocar meu rosto
Elas tinham desaparecido
 
Passei a esconder as mãos
Cruzando os braços
Enfiando-as nos bolsos
Ou como se estranhamente estivessem
Encontradas atrás de mim
 
Depois foram meus olhos
Numa manhã cinza
No espelho do banheiro
Dei com duas neblinas
E terríveis despenhadeiros
 
Deixei de olhar pelos meus olhos
Achava bom ouvir conselho
A pagar por eles por cartas
Por desespero por certo
O melhor era alguém ver por mim
 
Fui injustamente acusado
E não consegui dizer nada
No espelho do quarto
Assustado não tinha mais língua
A poesia sumiu no céu da boca
 
Passei a conversar só
Com meu próprio pensamento
Encostei a porta em silêncio
Talvez fosse melhor assim
Ninguém mesmo saber de mim
 
Aos trinta anos eu era um homem
Completamente invisível
Sem mãos sem olhos sem língua
Nos almoços de família
Todos falavam crianças corriam
 
Pela casa eu não tive meus filhos
Se um menino caia
Ou se alguém se assustava
De repente um barulho na escada
E ninguém sabia o que via
 
Era eu o invisível fantasma
Sentado à mesa da melancolia
Podem contar suas histórias
O mesmo cotidiano ordinário
Amassado mal passado de glória
 
Não tenho nenhum relicário
No que todo mundo é vário
No meio do caminho distante
 Podem brindar ao sombrio
O futuro de qualquer espumante
 
 
 
 
 
 

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

O século em choque

O século em choque 
 
 
 
 
O barco da viagem
O beco sem saída
O bico calado
O boi na linha
O buraco de repente
 
O passo a frente
O peso de lado
O piso primeiro
O poço da gente
O pulso derradeiro
 
O rato de dentro
O resto do sentimento
O rito indiferente
O rosto inocente
O rútilo silêncio
 
O saque em cheque
O século em choque
O sic entre parênteses
O soco do invisível
O susto mais terrível
 
O tranco da partida
O treco do sonho
O trinco da porta
O troco de saída
O truque da vida

 
















 

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Das pirâmides aos astronautas


Das pirâmides aos astronautas

 

 

Entre a terra e o céu
Olhei sempre para frente
Sei dos horizontes
Que coleciono além das montanhas
 
Minha mãe insiste em ter folhinhas
Sente-se obrigada a dízimos
Não sabe que nos céus
Espaçonaves passeiam invisíveis
 
Nostradamus esquartejava cérebros
Enquanto os reis caiam
O tempo implacável
Para além de todos os disfarces
 
Um homem dado como louco
Porque viu luzes estranhas
Falou com Deus
No fogo de todas as línguas
 
Como explicar para os inocentes
Que o alimento das guerras
É a fome do homem?
Como explicar a morte
 
Quando as estrelas que vemos
Já estão mortas?
Como entender que eram
Os deuses astronautas?
 
Como estender o tamanho
Do grito para ouvir
Os segredos que escondem
As pirâmides do Egito?
 
 

 
 

 

domingo, 9 de agosto de 2015

A COR QUE VOCÊ NÃO VÊ


A cor que você não vê
 
 
 
 
Preto chegou de madrugada
Estava apavorado
Os olhos implorando silêncio
De um dos filhos que ainda
Relutava no colo da mulher
 
Ele entrou, fechou a porta
E ficou encostado
Ali mesmo amparado
Do que tinha passado
Do que tinha escapado
 
Algo nele agradecia
Ao seu senhor bom Deus
Por ele estar vivo
Só ele mesmo sabia de tudo
E de novo algo nele agradecia
 
Agradecia estar em casa
A mulher ajeitando
O filho entre os outros
Agradecia e até sorriu
Do seio de fora dela
 
Ela não conseguiu sorrir
Tinha era lágrima de tanto
Tinha era mágoa de sobra
Mas não falou nada
Foi e abraçou seu homem
 
Ele fechou os olhos na sua dor
Ela abriu os dela na revolta
Já ia pra mais de mês
Sem os filhos descerem pra escola
E quase nada pra comer
 
Porque vai para escola comer
Pra depois saber e não saber
Fazer as contas dessa vida
Encontrar os números
Fazer parte dos números
 
O que se vive na favela
Não vai aparecer na novela
Pode desligar sua tevê
Ninguém vai ligar
Quando você morrer
 
Ele sabia do perigo
Mas antes de amanhecer
Um pai tem o direito sagrado
De sair de casa
Para procurar trabalho
 
E assim ele fez mais uma vez
Tem bem mais de ano
Todo dia, mês a mês
Ele vai à busca
Do que lhe fora roubado
 
A polícia cercando a área
Quem saía quem chegava
Ele não teve tempo de correr
Foi pego pela cor
A cor que você não vê
 
 

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

No seu quarto tem um rato

 
No seu quarto tem um rato






No seu quarto tem um rato
Ele foge sempre
Desesperado
Desesperado como você
 
Você é um rato em desespero
Do que agora falta
Rói de fome
Suas migalhas de hoje
 
No seu quarto tem um rato
Que você não vê
Um rato roendo
Dias como você passa
 
Esperando a cigana da vida
Ler nas linhas das mãos
Ou revelar o que tem
Dentro das cartas
 
O que tem dentro das cartas
Do seu futuro
Em branco
Ninguém pode saber
 
Não tenha medo de abrir a janela
Do seu mundo
No fundo
Tudo é invisível

 




Unicórnio cor- de- rosa invisível


Unicórnio cor- de- rosa invisível
 
 
 
 
 
 
Eu não acredito em tudo que acredito
Nem duvido de todas as coisas
Que não vejo
Quando alguém acredita
 
Incrível, mas quando alguém acredita
E basta uma pessoa acreditar
Pra que uma deusa
De repente assim exista
 
O dito pelo não dito e ainda um cisco
Algo bem próximo de tudo
Fora quase visto
E desembestou toda vista
 
Fez-se infinito e para sempre o rito
Vive-se para além do luto
Nisso eu acredito
Nem preciso ver essa escrita
 
 
 

quinta-feira, 23 de julho de 2015

onde você se diz inconfessável

 
onde você se diz inconfessável 

 
 
 
 
 
foi outro dia moço
 
 
foi outro dia moço  
ainda bem moço
 
 eu com mil sonhos
no travesseiro
nem a lua se perdia
nem o sol posto
e o meu mundo
era ele todo inteiro
 
foi outro dia moço
eu era um garoto
 
  raspei a barba
sem um fio primeiro
e eu não tinha
nenhuma marca no rosto
deixei parte de mim
em um banheiro
 
foi outro dia
quando poço era poço
 
e era um lugar
proibido no terreiro
minha mãe
gritava para o almoço
‘tá na sala
aquele seu amigo moço’
 
eu só queria ver
o fundo do espelho
eu devia ter ouvido
algum conselho
 
 
   
eu sou só um homem só
 
 
se eu disser eu sou só
um homem só sem espelho
na parede e o que vejo
sempre se distancia
 
na medida do desejo
eu não me meço
moço eu não me perco
viver é vasto de ser


 
pequeno verme

 
 

o vermelho é a única cor
que morre
morre
quando o amor acaba
a paixão evapora
algo em nós como o vermelho
sempre vai embora
 

o vermelho lodo
ferrugem
no que ruge
fogo entre  a brasa e a cinza
a rosa mais linda
o orvalho no princípio
do que finda

 
o vermelho pequeno verme
cor primeira
é também a derradeira
na distante cordilheira
ou nos versos do poeta
ontem ali mesmo
além da ribeira
 

o vermelho arte pop
punk no cabelo
do velho
que caiu
grito que do céu da boca
partiu como uma canção rouca
viajando em direção a marte
 

o vermelho mais distante ainda
de uma estrela gigante
sem saber errante
que alguém ousou pisar na lua
e agora e para sempre
o homem
ficou mais triste na rua

 

  

no escuro

 

 
onde estava você quando de repente esfriou
e já era noite?
seu olhar deveria dizer seus caminhos
percorridos de dias ausentes
 

não sei porque me parece insuportável
estar ao seu lado que já não diz
quando o que mais dói é não estar ao seu lado
não estar ao seu lado dói só de pensar
 

e agora você chega e eu não sei suportar
algo desespera em um despencar
revirando seus silêncios seu jeito novo sem
canção sem rumo sem direção
 

onde você estava quando o inverno chegou e
eu sozinho na madrugada?
sua boca bem sabia paisagens e vinhos
de sabores mais quentes
 

ah o uivo do lobo no peito o amor pede socorro
eu corro inseguro sem sua estrada
eu furo seu alvo eu salvo seu muro de caco de
vidro me corta seu beijo no escuro
 
 
 

parede

 
 

quando está tudo escuro
eu tenho sede

 
 
 
onde você se diz inconfessável
 
 
onde você se diz inconfessável
foi sempre onde me fascinou
e eu vou por todas as cidades
Bogotá Paris Roma Moscou
 
tolo amante implorando de joelhos
seu carinho abraçado de ventos
e meus olhos reaprendendo outras
palavras de feridas e silêncios
 
feito diamantes em crepúsculos
meus olhos em lágrimas que caem
busco imagens suas depois de ter
 
virado as páginas delineando vultos
você dormindo de lado revirando
e chegando ao meu sono de bruços
 
 
vermelho
 
 
eu não sabia que amar
doía tanto
nem que partir deixava
tanto pranto
 
sou desses homens soltos
sozinho
desde nascido menino
não me adivinho
 
entre os meus olhos outros
mais castanhos
vejo verdes desejos
azuis estranhos
 
 
se eu dissesse que amei
aquele gesto
e ainda carrego
mas não confesso
 
meu corpo ali parado
e o oceano
não soube responder
também te amo
 
falei do encontro das águas
com o rochedo
do sol deixando em tudo
o seu vermelho
 


 
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