domingo, 9 de agosto de 2015

A COR QUE VOCÊ NÃO VÊ


A cor que você não vê
 
 
 
 
Preto chegou de madrugada
Estava apavorado
Os olhos implorando silêncio
De um dos filhos que ainda
Relutava no colo da mulher
 
Ele entrou, fechou a porta
E ficou encostado
Ali mesmo amparado
Do que tinha passado
Do que tinha escapado
 
Algo nele agradecia
Ao seu senhor bom Deus
Por ele estar vivo
Só ele mesmo sabia de tudo
E de novo algo nele agradecia
 
Agradecia estar em casa
A mulher ajeitando
O filho entre os outros
Agradecia e até sorriu
Do seio de fora dela
 
Ela não conseguiu sorrir
Tinha era lágrima de tanto
Tinha era mágoa de sobra
Mas não falou nada
Foi e abraçou seu homem
 
Ele fechou os olhos na sua dor
Ela abriu os dela na revolta
Já ia pra mais de mês
Sem os filhos descerem pra escola
E quase nada pra comer
 
Porque vai para escola comer
Pra depois saber e não saber
Fazer as contas dessa vida
Encontrar os números
Fazer parte dos números
 
O que se vive na favela
Não vai aparecer na novela
Pode desligar sua tevê
Ninguém vai ligar
Quando você morrer
 
Ele sabia do perigo
Mas antes de amanhecer
Um pai tem o direito sagrado
De sair de casa
Para procurar trabalho
 
E assim ele fez mais uma vez
Tem bem mais de ano
Todo dia, mês a mês
Ele vai à busca
Do que lhe fora roubado
 
A polícia cercando a área
Quem saía quem chegava
Ele não teve tempo de correr
Foi pego pela cor
A cor que você não vê
 
 

Nenhum comentário: