terça-feira, 22 de novembro de 2011

A HISTÓRIA E OS OUTROS

A HISTÓRIA E OS OUTROS


Todo sentimento e as palavras arredias

A escola das tiranias enquanto ríamos

Lençóis e toalhas avessas, v de vespas,

Abelhas ásperas, ostras escorregadias


O teatro se explicando: rainha mata zangão

As montanhas de que são capazes os olhos

Os grilos, as cigarras, sim e os sapos na lagoa

Silêncio por dentro canta ão de solidão


E o rio mergulhado de triste pela noite

E até os outros animais de noturno canto

Também se calaram diante daquela hora


O amor nascer no remanso da madrugada

Os bois pastando na relva no sem-dia a dias

Na cinza neblina minha, no verde da aurora


PAPO CABEÇA


Você é só um palhaço!

Você é só um palhaço!

Assim mantém sua máscara,

não se meta no espaço...


Não rapte-me, não capte-me,

não dê ouvidos a camaleoa.

Viver é quase isso.

Um dia roa a roupa,


desfila na avenida de rei!

No outro eu nem sei,

e o papo soa naquilo...


No outro nem à toa,

você continua vivo.

Viver é quase isso.


(Stefan Rohrer)


A FÔRMA E A FORMA


A fôrma e a forma;

apregoa o realejo,

na obra se transforma

o turvo pelejo.


Poeta Dom Quixote,

por fado ou faro,

estoura o rabiote

com seu verso raro.


Remove seu ácaro,

inventa fronteiras

de frases-abelhas...


Mas quem tem pássaro

que não doura a gaiola,

os touros e a corola?


EM TORVELINHO

(Anselm Kiefer)


Não quero mais as soluções fáceis do corpo,

arrepiar as sensações e o pó de algum sopro.

Por muito pouco tão pouco a medida do outro

lado de um deus que a trégua me fez imitar,


eu que do amor só aprendi a andar...

(E eu que só queria as palavras, as árias,

o som do canto das sereias imaginárias.

E assim a princesa que dormia acordar.)


Vem, tristíssima poesia de paisagens!

Não quero dizer mais nada. Sou imagens.

Sonhos são sombras operando o desacerto,


o torvelinho no caminho das viagens.

Representar emudeceu de molho e zelo

a beleza no olho e o elo de não sabê-lo.

(Rebecca Horn)


JOGO DE CENA


(Gerhard Richter)


Do bote ao corte do mote recorte o subtexto

por mais que em iguarias banqueteie-se a vidência

e de escuros subterfúgios nasça o texto

do embuste diário do in-vento em clara evidência.


Elementos suspeitos vício e intertexto

de reverberadas pausas soam em reticência

como quem pisa o chão e nem avisa o contexto

se assim se improvisa não por reverência.


No jogo de cena sublinha-se um segredo:

entre o quando e o onde rio desse enredo

silencioso desafiará a inteligência


ainda que se finja a dor na soberba ciência...

Alinha-se a linha, amarra-se o dedo:

- Que nada me queime na língua a prudência

O VIAJANTE



O homem é mais macaco que águia.

O mais valente, o mais forte.

Assim mesmo, teme o sem-asa,

seu riso entre os dentes, seu porte.


O homem é vinho em pote de mágoa;

desdenha inocente, sina e morte,

fim a esmo, ferro que abrasa,

ainda que impunemente seu corte.


‘O pródigo sempre volta pra casa’

recita pungente a máxima,

sem mais contar com a sorte.


O homem na busca da sede vária;

o homem livre de cofre e estátua:

- Houve um dia um sol ao norte...


VIAGEM DE VOLTA

(Rebeca Horn)


Eu não sei bem essas receitas,

promessas se fiz nunca paguei.

E que outras luzes dessas ruas

adormeçam as cidades que sonhei;


sem mágoas, nem fantasmas sou:

atravesso a noite e o luar.

Eu fui, voltei, e nem bem cheguei

tô eu indo antes mesmo de voltar.


Aqui ou lá eu só quero chegar!

Eu estou a espera e olho a esmo

assim chegando eu já a partir...


Eu aprendi a esquecer por hora,

descobri o amanhecer que vou

e esta vontade de ser agora.

(Franz Marc)

sábado, 12 de novembro de 2011

RIO

RIO




Afio o que conduz o rio

a correnteza o desafio

o rio mais o rio


o que dói no peito

a pele do leito do rio

o rio sem jeito


o esquerdo o direito

o sem-lado do rio

o atalho o desvio


água-lâmina sem fio

a hora do estio

o calor o frio


o que tange o rio

a cachoeira o cio

a noite com seus acordes


o rio com sua ode

o rio que vai para o rio

mas explode


DOCE CANTILENA

(Ana Hatherly)


Acorda, pequena

A noite é morena

Lua seu poema

Doce cantilena


RESENHA




Vértebra por vértebra

verte sangue

o verbo exposto


o verso não ressuscita

apenas cita

o homem morto


o herói corrói

rói

r... (?)


... pra onde foi?

se foi se vinha

trazia o que tinha?


o pó caminha

seu chão, sua gente

varre o universo


a versão sem fato

diariamente onde

não se reinventa o inverso


O CORPO NO ASFALTO


O corpo estendido no asfalto

o sol queimando

o céu

a tarde vestida de raios


Quem partirá as pedras

aquecidas sem passado

sem o instante

onde a montanha existiu?


Quem consolará as mãos

esquecidas dos gestos

nos afetos contidos

do que se foi sem memória?


E esse corpo no asfalto?

Há coisas acontecendo

como aves que partem

sem horizontes sem

aquele momento intenso

que esperamos do voo


PELO CAMINHO



No vinho na canção

entre o lilás no veludo

azul da seda

com azul-escuro

nas bordas da asa


Renda na toalha da mesa

de azul-turquesa

dentro de casa

ou pulando o muro

pelo caminho


Azul-marinho tão meu

com o azul-celestial

quando a luz cai

o sol nas águas

e é mais azul-imperial


Azul-piscina no chão

com o sozinho azul

das pedras na arrebentação

negro canto ecoando

na minha solidão


O JARDINEIRO




A terra, a água e os raios de sol

envolvem as mãos do jardineiro;

elas manuseiam coisas simples:

sementes, sentimentos e a certeza

‘o amanhã pode ser mais bonito’


O jardineiro planta um mundo livre

onde passeiam diferentes cores...

(noite alta nós invadiremos o jardim;

a cidade central ainda adormecida

feito uma mulher que ninguém sonhava)


Os eucaliptos a brisa as montanhas

crescem, seduzem e amedrontam

nossas tardes, nem sempre azuis;

olhos que ainda sentem pelas casas velhas;

aqui e ali, margaridas, rosas amarelas


No coração de tudo, no sem-fim:

...a visão do céu, distante, de luzes,

estrelas na noite que sorri...

O jardineiro parece feliz

o jardineiro com o seu jardim