RIO
Afio o que conduz o rio
a correnteza o desafio
o rio mais o rio
o que dói no peito
a pele do leito do rio
o rio sem jeito
o esquerdo o direito
o sem-lado do rio
o atalho o desvio
água-lâmina sem fio
a hora do estio
o calor o frio
o que tange o rio
a cachoeira o cio
a noite com seus acordes
o rio com sua ode
o rio que vai para o rio
mas explode
DOCE CANTILENA
(Ana Hatherly)
Acorda, pequena
A noite é morena
Lua seu poema
Doce cantilena
Vértebra por vértebra
verte sangue
o verbo exposto
o verso não ressuscita
apenas cita
o homem morto
o herói corrói
rói
r... (?)
... pra onde foi?
se foi se vinha
trazia o que tinha?
o pó caminha
seu chão, sua gente
varre o universo
a versão sem fato
diariamente onde
não se reinventa o inverso
O CORPO NO ASFALTO
O corpo estendido no asfalto
o sol queimando
o céu
a tarde vestida de raios
Quem partirá as pedras
aquecidas sem passado
sem o instante
onde a montanha existiu?
Quem consolará as mãos
esquecidas dos gestos
nos afetos contidos
do que se foi sem memória?
E esse corpo no asfalto?
Há coisas acontecendo
como aves que partem
sem horizontes sem
aquele momento intenso
que esperamos do voo
PELO CAMINHO
No vinho na canção
entre o lilás no veludo
azul da seda
com azul-escuro
nas bordas da asa
Renda na toalha da mesa
de azul-turquesa
dentro de casa
ou pulando o muro
pelo caminho
Azul-marinho tão meu
com o azul-celestial
quando a luz cai
o sol nas águas
e é mais azul-imperial
Azul-piscina no chão
com o sozinho azul
das pedras na arrebentação
negro canto ecoando
na minha solidão
O JARDINEIRO
A terra, a água e os raios de sol
envolvem as mãos do jardineiro;
elas manuseiam coisas simples:
sementes, sentimentos e a certeza
‘o amanhã pode ser mais bonito’
O jardineiro planta um mundo livre
onde passeiam diferentes cores...
(noite alta nós invadiremos o jardim;
a cidade central ainda adormecida
feito uma mulher que ninguém sonhava)
Os eucaliptos a brisa as montanhas
crescem, seduzem e amedrontam
nossas tardes, nem sempre azuis;
olhos que ainda sentem pelas casas velhas;
aqui e ali, margaridas, rosas amarelas
No coração de tudo, no sem-fim:
...a visão do céu, distante, de luzes,
estrelas na noite que sorri...
O jardineiro parece feliz
o jardineiro com o seu jardim
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