Ainda que o nosso amor, raivoso cão,
pouco depois da pele em febre se lançasse
louco no avesso do que foi a paixão
em aço, veneno, engasgue, desenlace...
Ainda que sim! Eu te pedisse perdão!
E a água do mar revolto se acalmasse
na abissal encosta da minha oração,
e, aos teus pés, ateu eu me ajoelhasse...
Ainda que a tua dor cessasse ou não,
e amar-te no fim sem que jamais alcançasse
a onda nas pedras dessa maré sem chão.
Ainda assim, meus versos, minha canção,
e toda verdade não é mais que um disfarce
com seu enredo, seu fado e explosão!
Meu poema, meu veneno
Meu registro lúcido
Meu pé ante pé
Minha gentileza
Minha erva-daninha
Minha mão no ar
No vento das palavras
Veio a poeira da estrada
Aproximando atalhos
Tanta elegância
Pra dizer que nem é dor
Que nem nada
Estranho ossuário sem
Longe foi fratura exposta
Agora são ossos
Crianças que brincavam
Falemos então em piedade
E do alfinete do rei
Não quero mais de meu
Não sou mais eu
Não sou um deus
Vivo porque desconfio
Agora não planto o que sei
Porque eu não sei
O anonimato não tem preço
Conhecimento é pros seus
E olhe lá os descontentamentos
Viver padece calmo olhar
Assim se evita os contratempos
Falar e ouvir são pessoas outras
Os verbos que somos em eus
Depois em vagos pensamentos
Alimentados de nós tantos
Sufocados de sonhamentos
Somos ventos e tempestades
Que glória ali estarmos pudéssemos
Nós náufragos de esquecimentos
E errarmos certos disparates
Rir dos nossos ignoramentos
Nós ensimesmados de nada
‘Hoje eu acho que mato Deus’
Dizermos valentes de dentros
Cansados de estarmos de joelhos
Repetindo arrependimentos
‘Agora eu vou bater no peito’
Não nos ameaça a indesejada
Nós temos nós em sentimentos
E era tão mais em desconversas
O amor? Ah, eram outros tempos
A SENHORA DA PALAVRA
O seio nascia na pele dela
o bico do peito na ponta
da língua feito uma íngua
inchando e a voz sem leite
vazando pelo céu da boca
pelas narinas minhas retinas
O rosto feria no tempo dela
estridente de gestos e ela
se erguia de mãos e montanhas
e se parecia com minha mãe
me comendo pelo umbigo
me despindo pelos contos de fada
O sonho dormia na fala dela
em volta da pausa que ilumina
os nervos e a mulher na menina
agora senhora da palavra
de alguma vida que não temos
se expandindo ainda sem jeito
O olhar morria na sopa dela
em cada colher dada se quente
ou morna ela assoprava
pro menino e a ferida dele
resistindo pelo corpo todo
pelas tripas pelas minhas vistas
Vejo esta mulher na casa dela
na escada degrau por degrau
se despedindo e ela partindo
me deixando na sala vazia
morrendo pro dia que ria
nascendo sem o colo dela
UMA NOITE APENAS
‘A Grande Ursa,
O meu albergue, brilhava no céu escuro.’
Rimbaud
O poeta-escultor:
- E só não dá certo
se você tem pressa.
Depois é importante
reconhecer o errado,
vale a caminhada
e não dar em nada.
História de um dia.
Uma noite apenas,
e por um momento
só, vejo a madrugada...
Mais uma, hilária,
e desta pilhéria
tenho a melhor piada.
Pensava-se eterno
e é breve esquecer.
Conflito, dilema...
Nem santo ou promessa,
eu seguirei incerto,
não espero o amor.
Viver é durante.
Se esqueço o passado,
assim do futuro,
bolso tenho do furo.
Vento frio por dentro
que queima minha pele.
Uma noite apenas
e ergue-se o poema.
Um comentário:
como sempre, eis-me aqui aos teus pés, aos pés de tua incontrolável poesia!
"bolso tenho do furo."
Eu preencho as moedas
com o vazio do inverno...
Obrigada por tanta arte!
Beijão!!!
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