sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

CANTAR NO EXTREMO


CANTAR NO EXTREMO

João Cabral de Mello Neto disse que cantar tinha que ser no extremo. "Uma vez eu estava num lugar de flamenco com uma sevilhana e tinha um sujeito cantando. Eu perguntei: "Te gusta este cantador?" E, ela disse: "No! No expone!" Não se expõe! Não faz no máximo. E o sevilhano quer sempre a coisa feita no máximo. Fazer no extremo, onde o risco começa." A nossa música padece de um aplauso a si mesmo. E todas as outras artes e artistas parecem alheios a uma musculatura de cultura e país, nos dando a sensação de também estarmos confortáveis sempre com um copo pelo meio cheio. Faz tempo temos medo de um vazio, qualquer vazio. Ninguém se lança e ninguém lança mais ninguém. Estamos nos melhores elevadores do mundo, insinuam argumentar. A falta de charme constrange. O Brasil não é um elevador.


 
Esse ano, outro João, o João Gilberto, “criador” da Bossa Nova, deveria ter comemorado em shows memoráveis seus 80 anos. O que vimos? Shows superfaturados (aprovados pelo Ministério da Cultura) e certa felicidade dos que anunciavam que os ingressos caríssimos estavam encalhados. Tudo foi cancelado. E o inventor do ritmo, que levou a música popular para o mundo, não foi ao que parece homenageado pelos seus. Ao músico e cantor é atribuído o jeito novo de tocar e de cantar o nosso samba. Muito mais do que cantar no extremo, ele fez uma escola quase em silêncio ao seu cantar pequeno. Estranhamente alguém perdeu a bossa. Ou a bossa de si mesma e dos seus se perdeu. No extremo ou não, nós somos somente mais um velho e anônimo João.

 
Com mais de cinquenta anos a Bossa Nova já não é tão nova. O maestro Tom quando partiu deixou a Garota de Ipanema meio viúva. Apesar dos ruídos e dos efeitos para ter de novo e sempre um jeito moderno. É que agora somos assumidos efêmeros. Impossível missão querer ser eterno. Tal a velocidade das coisas. Talvez Elis soubesse: cantou como ninguém o melhor daquele “subgênero do samba” junto com o seu criador maior Tom Jobim. E tal o poeta de alma sevilhana, que escreveu sair de um poema como quem lava as mãos, Elis Regina dilacerou-nos até a morte cantando no extremo.

 
Confesso meu gosto particular comunga com o do poeta nordestino. Embora muito se fale que não gostasse de música, e tivesse horror à possibilidade de ver seus poemas musicados. Vinícius de Moraes chegou a brincar que ainda ia fazer uma canção para a poesia dele Poema(s) da cabra. Perdoem por falar de coisas soltas de um passado. É que a memória puxa um fio de um rio afluente de um vazio de quem já se lançou nas ondas do mar. Quem vai chegar com um verso, uma nota ou um rabisco do precipício? Eu sinto falta de quem canta no limite, onde começa o risco.



sábado, 24 de dezembro de 2011

A ARTE E O HOMEM


A ARTE E O HOMEM




Arte é redenção! O que seria do homem?
Sim! Somos de alguma forma miseráveis,
reféns de nossos males inumeráveis...
Não esperem dos dias, a eles se somem.
Se transgredimos o que a ordem acorda,
por sermos o sol onde verde é a tarde;
se o sujeito bate no peito a verdade,
ou, por tanto espaço, vazio transborda;
nos ajuda sempre que ajudamos alguém.
E é mesmo por um motivo que o outro vem...
Estamos surdos quando a vida ri feroz
do que você é e do que pensa que tem.
Só a Arte sabe ler o que ouve essa voz
e entre os homens dar Aleluias, dizer – Amém!


A HISTÓRIA DE CADA UM

 


 Quando um dia estivermos
todos reunidos, neste lugar
ainda desconhecido;
e não haverá lá, eu sei,
esta rima t o r p e d o
que liga, em uma só teia,
medo         e        segredo
Então sentaremos no chão
e nos contaremos histórias,
histórias acontecidas ao avesso
das nossas histórias vividas
histórias histórias histórias
E serão h i s t ó r i a s lindas
em cada c a n t o uma revelação
onde tanto uma santa poderá
a r r a s t a r – s e de prazer
como uma rosa pública à ascensão
Neste dia então em que
os mais fortes sentimentos
aos mais lépidos pensamentos
povoarem o que era vão,
seremos felizes neste dia então

RETICÊNCIAS


 Uma nascente
no seu canto
água pouca
aos poucos
Vai tomando
corpo de repent
e você olha e
já é um r i o...
Assim o amor!
sabermos ond
e tudo começ
ou às vezes
Um sorriso
e lá na frente
a sua correnteza...
quem nunca pensou:
O amor sempre
esteve ali
desde o início
a gente é que não viu

 UM ECLIPSE
ENTRE AS ELIPSES



Eu sou o silêncio dos homens tristes
Eu sou um querubim sem seu clarim
Eu sou um eclipse entre as elipses
Eu sou um pinguim com gripe – Atchim!
Eu sou um som dos sinos de Notre Dame
Eu sou o que parte para o outro chegar
De mais a mais e por mais que ame
Eu não fico e explico é pra já
Meu eu coração sereia no infinito
Sombra das ruas com paralelepípedos
Eu sou o sol que repousa no mar
Que ilumina os astros no sem-fim
De mim a mim eu soo mesmo assim
Esquisito espirro a explodir no ar

LIÇÃO ESPACIAL

a palavra
a ave
o olhar

a palavra

olha
a ave
ao voar