segunda-feira, 17 de outubro de 2011

AOS TEUS PÉS

AOS TEUS PÉS


Ainda que o nosso amor, raivoso cão,

pouco depois da pele em febre se lançasse

louco no avesso do que foi a paixão

em aço, veneno, engasgue, desenlace...



Ainda que sim! Eu te pedisse perdão!

E a água do mar revolto se acalmasse

na abissal encosta da minha oração,

e, aos teus pés, ateu eu me ajoelhasse...



Ainda que a tua dor cessasse ou não,

e amar-te no fim sem que jamais alcançasse

a onda nas pedras dessa maré sem chão.



Ainda assim, meus versos, minha canção,

e toda verdade não é mais que um disfarce

com seu enredo, seu fado e explosão!


QUE NEM NADA

Meu poema, meu veneno
Meu registro lúcido
Meu pé ante pé
Minha gentileza
Minha erva-daninha
Minha mão no ar


No vento das palavras
Veio a poeira da estrada
Aproximando atalhos
Tanta elegância
Pra dizer que nem é dor
Que nem nada


Estranho ossuário sem
Longe foi fratura exposta
Agora são ossos
Crianças que brincavam
Falemos então em piedade
E do alfinete do rei


Não quero mais de meu
Não sou mais eu
Não sou um deus
Vivo porque desconfio
Agora não planto o que sei
Porque eu não sei

DESPROPÓSITOS


O anonimato não tem preço

Conhecimento é pros seus

E olhe lá os descontentamentos

Viver padece calmo olhar

Assim se evita os contratempos


Falar e ouvir são pessoas outras

Os verbos que somos em eus

Depois em vagos pensamentos

Alimentados de nós tantos

Sufocados de sonhamentos


Somos ventos e tempestades

Que glória ali estarmos pudéssemos

Nós náufragos de esquecimentos

E errarmos certos disparates

Rir dos nossos ignoramentos


Nós ensimesmados de nada

‘Hoje eu acho que mato Deus’

Dizermos valentes de dentros

Cansados de estarmos de joelhos

Repetindo arrependimentos


‘Agora eu vou bater no peito’

Não nos ameaça a indesejada

Nós temos nós em sentimentos

E era tão mais em desconversas

O amor? Ah, eram outros tempos


A SENHORA DA PALAVRA



O seio nascia na pele dela

o bico do peito na ponta

da língua feito uma íngua

inchando e a voz sem leite

vazando pelo céu da boca

pelas narinas minhas retinas


O rosto feria no tempo dela

estridente de gestos e ela

se erguia de mãos e montanhas

e se parecia com minha mãe

me comendo pelo umbigo

me despindo pelos contos de fada


O sonho dormia na fala dela

em volta da pausa que ilumina

os nervos e a mulher na menina

agora senhora da palavra

de alguma vida que não temos

se expandindo ainda sem jeito


O olhar morria na sopa dela

em cada colher dada se quente

ou morna ela assoprava

pro menino e a ferida dele

resistindo pelo corpo todo

pelas tripas pelas minhas vistas


Vejo esta mulher na casa dela

na escada degrau por degrau

se despedindo e ela partindo

me deixando na sala vazia

morrendo pro dia que ria

nascendo sem o colo dela

UMA NOITE APENAS

A Grande Ursa,

O meu albergue, brilhava no céu escuro.’

Rimbaud



O poeta-escultor:

- E só não dá certo

se você tem pressa.

Depois é importante

reconhecer o errado,

vale a caminhada

e não dar em nada.


História de um dia.

Uma noite apenas,

e por um momento

só, vejo a madrugada...

Mais uma, hilária,

e desta pilhéria

tenho a melhor piada.


Pensava-se eterno

e é breve esquecer.

Conflito, dilema...

Nem santo ou promessa,

eu seguirei incerto,

não espero o amor.

Viver é durante.


Se esqueço o passado,

assim do futuro,

bolso tenho do furo.

Vento frio por dentro

que queima minha pele.

Uma noite apenas

e ergue-se o poema.

Um comentário:

Lou Albergaria disse...

como sempre, eis-me aqui aos teus pés, aos pés de tua incontrolável poesia!

"bolso tenho do furo."
Eu preencho as moedas
com o vazio do inverno...


Obrigada por tanta arte!

Beijão!!!