quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

AS MÃOS DE EURÍDICE

AS MÃOS DE EURÍDICE
 
‘Onde está a linha da minha vida, Eurídice?’
Os versos e os números na roleta...
Mas já não dizem mais o que um dia eu disse:
- É preciso saber tudo para que esqueça!

Ah! Rota, estrelas na noite... E a lua tonta,
e meus ais medidos em suas águas salobras...
Desse monólogo eu nunca me dei conta:
veja, as joias as palavras nos levaram todas.

Entre todas as outras as tuas mãos, Eurídice,
‘Brancas mãos pedindo asas, ternura e amor’,
mas não dizem mais, nem dirão o que um dia eu disse:

na roleta onde os homens são eternos meninos
gira ainda a dor, velhas rimas apitam sinos,
navios que jamais partiram do cais-terror!


 CANTO DE DESPEDIDA

Perdemos em todos os portos
os encontros trazem herméticos
os segredos, mas são vazios,
são inócuos.

São corpos desviando-se de corpos.
As despedidas escondem em arquétipos
os medos, mas parecem rios,
parecem falsos.

Estou cansado dos corpos.
Eles desenham frenéticos
os desejos, mas estão frios,
estão mortos.


SAUDADE-NÉVOA

Quem mente
carrega uma corrente
sem dente é muito mais que uma janela
etéreo o saber faz-se ainda que invente
tem gente sem medo de passar por ela

ora de frente
vê-se o homem prudente
o olho rente e o que traz a espera
enquanto ser cais resiste em poente
enchente atravessando o ar-esfera

não não tente
mais um gesto inocente
o cativo aos teus ais e quem sente
vil parente essa mão que régua que alimente
a fera-lua existente na nuca dela

e a dor aparente
é dor de um ai plangente
eu sei que nem vivo mais sem a gente
mas me oriente a paz liberte a rua e a fúria em mim
e assim que jaz esta saudade-névoa
SONETO DE INFIDELIDADE

Amei. E como meu pai e os demais
fui sempre infiel ao ser amado.
Sabem os dedos o que a mão faz,
são dez em duas vezes, somado.

Amei ao preço de não ter endereço,
aos pés jogado ao ser armado.
Não, meu amor, eu não me queixo,
a cada beijo dado eu fui o seu soldado.

Amei este palco mais do que quis,
vivi aqui mesmo o meu inferno,
veio do efêmero, seio do eterno.

E os sonhos, as flores, a dor não diz:
entre os ladrões de querer roubado
eu fui aquele por haver sonhado.

CORAÇÃO POR ENGANO

Certeza mesmo ninguém tem.
Por seguidos meses esperei
o vento anunciando teus olhos.
Fiquei pra dentro, acordado
sono. Fui sem tempo
lento me perdendo...

Mas o inverno que fosse abril,
o amor é a próxima estação:
Eu sou mais verão! O sol então.
Noite dessas, só meu amor partiu
outono. Meu bem,
renasci meu dono.
Ensaiei uns passos, dancei, cantei
agudo maior, e quem diria?
Ninguém! Eu não ouço o abandono;
Manhã não perco de outro dia.
Não engano, com a dor
eu estou leviano.


AMOR SEM CASA
 Você chegou de madrugada
e não falou nada.
Não precisou de palavras
pra dizer que me amava,

deixou de lado as histórias,
outrora as noites trágicas.
E eu que nem imaginava
ter você onde estava

descobri que gritava ali
o nosso amor sem casa,
nosso amor que eu pensei
ter abatido as suas asas,

o nosso amor fez pra sempre
num beijo sua morada.
Então eu dei de ficar
contente. Fazer piada.

Chorei. Chorei rente,
um repente, e entre
as lágrimas uma era dourada
e no meu lábio assim selada.

Eternamente só mais um
silêncio de um momento
e o tempo todo pela frente
um sonho de um sonho.

Longe um dia que não passa
o juiz bate o seu martelo
enquanto você vem
num beijo e refaz o elo.


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