AS MÃOS DE EURÍDICE
‘Onde está a linha da
minha vida, Eurídice?’
Os versos e os
números na roleta...
Mas já não dizem mais
o que um dia eu disse:
- É preciso saber
tudo para que esqueça!
Ah! Rota, estrelas na
noite... E a lua tonta,
e meus ais medidos em
suas águas salobras...
Desse monólogo eu
nunca me dei conta:
veja, as joias as
palavras nos levaram todas.
Entre todas as outras
as tuas mãos, Eurídice,
‘Brancas mãos pedindo
asas, ternura e amor’,
mas não dizem mais,
nem dirão o que um dia eu disse:
na roleta onde os
homens são eternos meninos
gira ainda a dor,
velhas rimas apitam sinos,
navios que jamais
partiram do cais-terror!
CANTO
DE DESPEDIDA
Perdemos
em todos os portos
os
encontros trazem herméticos
os
segredos, mas são vazios,
são
inócuos.
São
corpos desviando-se de corpos.
As
despedidas escondem em arquétipos
os
medos, mas parecem rios,
parecem
falsos.
Estou
cansado dos corpos.
Eles
desenham frenéticos
os
desejos, mas estão frios,
estão
mortos.
SAUDADE-NÉVOA
Quem mente
carrega uma corrente
sem dente é muito mais que uma
janela
etéreo o saber faz-se ainda que
invente
tem gente sem medo de passar por
ela
ora de frente
vê-se o homem prudente
o olho rente e o que traz a
espera
enquanto ser cais resiste em
poente
enchente atravessando o ar-esfera
não não tente
mais um gesto inocente
o cativo aos teus ais e quem
sente
vil parente essa mão que régua
que alimente
a fera-lua existente na nuca dela
e a dor aparente
é dor de um ai plangente
eu sei que nem vivo mais sem a
gente
mas me oriente a paz liberte a
rua e a fúria em mim
e assim que jaz esta
saudade-névoa
SONETO DE
INFIDELIDADE
Amei. E como meu pai
e os demais
fui sempre infiel ao
ser amado.
Sabem os dedos o que
a mão faz,
são dez em duas
vezes, somado.
Amei ao preço de não
ter endereço,
aos pés jogado ao ser
armado.
Não, meu amor, eu não
me queixo,
a cada beijo dado eu
fui o seu soldado.
Amei este palco mais
do que quis,
vivi aqui mesmo o meu
inferno,
veio do efêmero, seio
do eterno.
E os sonhos, as
flores, a dor não diz:
entre os ladrões de
querer roubado
eu fui aquele por
haver sonhado.
CORAÇÃO POR ENGANO
Certeza mesmo ninguém
tem.
Por seguidos meses
esperei
o vento anunciando
teus olhos.
Fiquei pra dentro,
acordado
sono. Fui sem tempo
lento me perdendo...
Mas o inverno que
fosse abril,
o amor é a próxima
estação:
Eu sou mais verão! O
sol então.
Noite dessas, só meu amor partiu
outono. Meu bem,
renasci meu dono.
Ensaiei uns passos, dancei, cantei
agudo maior, e quem
diria?
Ninguém! Eu não ouço
o abandono;
Manhã não perco de
outro dia.
Não engano, com a dor
eu estou leviano.
AMOR SEM CASA
Você chegou de
madrugada
e não falou nada.
Não precisou de
palavras
pra dizer que me
amava,
deixou de lado as
histórias,
outrora as noites
trágicas.
E eu que nem
imaginava
ter você onde estava
descobri que gritava
ali
o nosso amor sem
casa,
nosso amor que eu
pensei
ter abatido as suas
asas,
o nosso amor fez pra
sempre
num beijo sua morada.
Então eu dei de ficar
contente. Fazer
piada.
Chorei. Chorei rente,
um repente, e entre
as lágrimas uma era
dourada
e no meu lábio assim
selada.
Eternamente só mais
um
silêncio de um
momento
e o tempo todo pela
frente
um sonho de um sonho.
Longe um dia que não
passa
o juiz bate o seu
martelo
enquanto você vem
num beijo e refaz o
elo.
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