segunda-feira, 2 de maio de 2011

VIDROS CORTANTES



VIDROS CORTANTES





O ELEVADOR



Você pode até rir, mas elevador

assim como guarda-chuva

é objeto do mais engraçado.

Todo mundo é ridículo num elevador.



As pessoas constrangidas não falam

línguas diferentes. Até falam

muitas línguas, mas não falam.

Os perfumes, sim. Exalam.



O silêncio observa enquanto sobe

e desce. Eu lembro das formigas

brotando da terra reivindicando

também o quinhão de luz.



Humanas formigas, aonde vamos?

Presente e passado conjugados.

E o futuro? O ensaio diário

que para sempre nos anunciará.



Para sempre é tempo demais.

Eu não me importo de morrer

se só por um momento eu puder

voar. Se este elevador me deixar



um pouco mais neste terraço

quem sabe me lanço no espaço?

Que nada. Não se preocupe,

eu abro os braços e o mesmo céu de Minas.



O mesmo céu de todos os céus,

uma ilusão azul: a alma do universo.

O verso que não passou de um desejo

de gritar. Aaaaaa... E a força do poema:



as palavras que ventam aqui de cima

arrepiam rimas. Palavras-fêmeas.

Palavras-gêmeas. Por isso cuidado,

meu amigo, com um ai você tropeça


e cai...

DESEMPRE
GADO


desempregado
sempre gado sem gato
por lebre sem eros nem febre
sem nada qfale na fala


DELEUZEANDO-SE



Minha provisão é pouca

No olhar distante se fez

A paisagem

Eu vivo de passagem



Não tenho o que levar

Quando a vida se faz

Assim urgente

Posso partir de repente



Das músicas que ouço

No peito a feminina voz

Eu sei de cor

Fica o meu bem maior



Mas do homem macho

Branco padrão persiste

Uma canção atroz

O homem é uma rima feroz



O MENINO QUE PERDEU SUA BICICLETA



o menino desce o morro correndo

o morro c o r r e n d o o morro

o menino o morro

o menino no morro

correndo o morro

o morro correndo

o menino morrendo

no morro do poema

o menino por Ipanema

c o r r e n d o do morro

o menino m o r r e n d o

o m o r r o cansado

o menino na cena


- onde tá a bicicleta do menino?

PRESSUPOSTO



homem é muito duro

mulher finge quando não goza

OBJETO MULHER



Os objetos perfeitos

inventados pelo homem:

o livro e a colher



Mas o que move o mundo

não é nem a roda

É o diabo da mulher!



Se criada por Deus

para assim ser criada

criar crer e morrer



De entranhas a mulher

do pavio a pólvora

ela somente quer ser



Que antes de acender

e sorrir a sua aurora

e seu homem derreter



Ou não na sua fogueira

será sempre feiticeira

ao precisar se defender



Se de César honesta

ela nem precisa ser;

mas tem que parecer!



Mulher entre objetos

semeando seus afetos
que nunca vai colher

VASO ESCURO



Eu não estabeleço novas ordens:

Rio de varizes, veredas eternas...

Do vinho pouco e belo dos jovens

Eu espero e bebo como as putas velhas



Que tudo em mim são crepúsculo e espelho

Sim! Eu sei andar pelas pedras em trevas

Feito barro no escurecer vermelho

Eu sei me escorrer de noturnas eras



Eu sou um vaso escuro de misérias

Eu sou aquele deserto de aquarelas

E eu sou a miragem de deuses perdidos



Se estiverem mortos ou vagam vivos?

Eu viajo em seus labirintos de janelas

Eles que jamais passarão por elas

AMBULÂNCIAS E ROSAS
Pra Alexandre kirschmayer


- Não serei nunca o poeta que eu teria sido mesmo sendo assim comigo tão parecido ainda assim sei que não serei nunca o poeta que eu teria sido se assim comigo sou tão parecido mesmo sendo o que em nós é o que dos outros tem permanecido parece-me que só o que fica dos outros seja o que de verdade somos em definitivo ainda que sós no somente nosso assim vivo com tudo que tenho vivido parto com o esforço de já ter ido e nem bem chego com a ansiedade de viver partido rindo vindo dessas minhas estradas eu me acho nas partes das palavras desencontradas sou essa rodoviária anunciando o próximo ônibus sem parada onde as pessoas passam desconfiadas arrastando bolsas sacolas e outras crianças perdidas eu choro nos olhos delas por essas minhas idas apresento documentos e os melhores sentimentos atentos meus olhos me mantêm como se me tocassem sirenes silenciosas adormeço ambulâncias com sonhos de rosas e que ninguém ouça o nosso medo com sono pois que assim se dorme quando se é muito seu dono


VIDROS CORTANTES
Pra Carlos Amorim


- Mas meu amigo

Que falta de juízo

Lá fora esse perigo

Ainda nos assalta



Foi ter sobrevivido

Dentro noite alta

Olhar se guarda

A lua na sala



- Mas meu amigo

É madrugada

Rugem a aurora

E o seu vermelho



A nos saldar

Com sua ferrugem

O sol primeiro

Atravessou o mar



- Mas meu amigo

Sorrindo raio

Nas flores de maio

Que venho ofertar



O sonho mais lindo

Fez voltas no ar

Desfilou cores

Além das que há



- Mas meu amigo

Meu papagaio

Meu vento passou

Longe eu vou



Levo este amor

Foi tudo antes

Cacos de luz

Vidros cortantes


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