VIDROS CORTANTES
O ELEVADOR
Você pode até rir, mas elevador
assim como guarda-chuva
é objeto do mais engraçado.
Todo mundo é ridículo num elevador.
As pessoas constrangidas não falam
línguas diferentes. Até falam
muitas línguas, mas não falam.
Os perfumes, sim. Exalam.
O silêncio observa enquanto sobe
e desce. Eu lembro das formigas
brotando da terra reivindicando
também o quinhão de luz.
Humanas formigas, aonde vamos?
Presente e passado conjugados.
E o futuro? O ensaio diário
que para sempre nos anunciará.
Para sempre é tempo demais.
Eu não me importo de morrer
se só por um momento eu puder
voar. Se este elevador me deixar
um pouco mais neste terraço
quem sabe me lanço no espaço?
Que nada. Não se preocupe,
eu abro os braços e o mesmo céu de Minas.
O mesmo céu de todos os céus,
uma ilusão azul: a alma do universo.
O verso que não passou de um desejo
de gritar. Aaaaaa... E a força do poema:
as palavras que ventam aqui de cima
arrepiam rimas. Palavras-fêmeas.
Palavras-gêmeas. Por isso cuidado,
meu amigo, com um ai você tropeça
e cai...
DESEMPRE
GADO
desempregado
sempre gado sem gato
por lebre sem eros nem febre
sem nada qfale na fala
DELEUZEANDO-SE
Minha provisão é pouca
No olhar distante se fez
A paisagem
Eu vivo de passagem
Não tenho o que levar
Quando a vida se faz
Assim urgente
Posso partir de repente
Das músicas que ouço
No peito a feminina voz
Eu sei de cor
Fica o meu bem maior
Mas do homem macho
Branco padrão persiste
Uma canção atroz
O homem é uma rima feroz
O MENINO QUE PERDEU SUA BICICLETA
o menino desce o morro correndo
o morro c o r r e n d o o morro
o menino o morro
o menino no morro
correndo o morro
o morro correndo
o menino morrendo
no morro do poema
o menino por Ipanema
c o r r e n d o do morro
o menino m o r r e n d o
o m o r r o cansado
o menino na cena
- onde tá a bicicleta do menino?
PRESSUPOSTO
homem é muito duro
mulher finge quando não goza
OBJETO MULHER
Os objetos perfeitos
inventados pelo homem:
o livro e a colher
Mas o que move o mundo
não é nem a roda
É o diabo da mulher!
Se criada por Deus
para assim ser criada
criar crer e morrer
De entranhas a mulher
do pavio a pólvora
ela somente quer ser
Que antes de acender
e sorrir a sua aurora
e seu homem derreter
Ou não na sua fogueira
será sempre feiticeira
ao precisar se defender
Se de César honesta
ela nem precisa ser;
mas tem que parecer!
Mulher entre objetos
semeando seus afetos
que nunca vai colher
VASO ESCURO
Eu não estabeleço novas ordens:
Rio de varizes, veredas eternas...
Do vinho pouco e belo dos jovens
Eu espero e bebo como as putas velhas
Que tudo em mim são crepúsculo e espelho
Sim! Eu sei andar pelas pedras em trevas
Feito barro no escurecer vermelho
Eu sei me escorrer de noturnas eras
Eu sou um vaso escuro de misérias
Eu sou aquele deserto de aquarelas
E eu sou a miragem de deuses perdidos
Se estiverem mortos ou vagam vivos?
Eu viajo em seus labirintos de janelas
Eles que jamais passarão por elas
AMBULÂNCIAS E ROSAS
Pra Alexandre kirschmayer
- Não serei nunca o poeta que eu teria sido mesmo sendo assim comigo tão parecido ainda assim sei que não serei nunca o poeta que eu teria sido se assim comigo sou tão parecido mesmo sendo o que em nós é o que dos outros tem permanecido parece-me que só o que fica dos outros seja o que de verdade somos em definitivo ainda que sós no somente nosso assim vivo com tudo que tenho vivido parto com o esforço de já ter ido e nem bem chego com a ansiedade de viver partido rindo vindo dessas minhas estradas eu me acho nas partes das palavras desencontradas sou essa rodoviária anunciando o próximo ônibus sem parada onde as pessoas passam desconfiadas arrastando bolsas sacolas e outras crianças perdidas eu choro nos olhos delas por essas minhas idas apresento documentos e os melhores sentimentos atentos meus olhos me mantêm como se me tocassem sirenes silenciosas adormeço ambulâncias com sonhos de rosas e que ninguém ouça o nosso medo com sono pois que assim se dorme quando se é muito seu dono
VIDROS CORTANTES
- Mas meu amigo
Que falta de juízo
Lá fora esse perigo
Ainda nos assalta
Foi ter sobrevivido
Dentro noite alta
Olhar se guarda
A lua na sala
- Mas meu amigo
É madrugada
Rugem a aurora
E o seu vermelho
A nos saldar
Com sua ferrugem
O sol primeiro
Atravessou o mar
- Mas meu amigo
Sorrindo raio
Nas flores de maio
Que venho ofertar
O sonho mais lindo
Fez voltas no ar
Desfilou cores
Além das que há
- Mas meu amigo
Meu papagaio
Meu vento passou
Longe eu vou
Levo este amor
Foi tudo antes
Cacos de luz
Vidros cortantes
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