CANTAR
NO EXTREMO
João
Cabral de Mello Neto disse que cantar tinha que ser no extremo. "Uma vez eu estava num lugar de flamenco com uma
sevilhana e tinha um sujeito cantando. Eu perguntei: "Te gusta este
cantador?" E, ela disse: "No! No expone!" Não se expõe! Não faz
no máximo. E o sevilhano quer sempre a coisa feita no máximo. Fazer no extremo,
onde o risco começa." A nossa música padece de um aplauso a si mesmo. E todas
as outras artes e artistas parecem alheios a uma musculatura de cultura e país,
nos dando a sensação de também estarmos confortáveis sempre com um copo pelo
meio cheio. Faz tempo temos medo de um vazio, qualquer vazio. Ninguém se lança
e ninguém lança mais ninguém. Estamos nos melhores elevadores do mundo,
insinuam argumentar. A falta de charme constrange. O Brasil não é um elevador.
Esse ano, outro
João, o João Gilberto, “criador” da Bossa Nova, deveria ter comemorado em shows
memoráveis seus 80 anos. O que vimos? Shows superfaturados (aprovados pelo Ministério
da Cultura) e certa felicidade dos que anunciavam que os ingressos caríssimos
estavam encalhados. Tudo foi cancelado. E o inventor do ritmo, que levou a
música popular para o mundo, não foi ao que parece homenageado pelos seus. Ao
músico e cantor é atribuído o jeito novo de tocar e de cantar o nosso samba.
Muito mais do que cantar no extremo, ele fez uma escola quase em silêncio ao
seu cantar pequeno. Estranhamente alguém perdeu a bossa. Ou a bossa de si mesma
e dos seus se perdeu. No extremo ou não, nós somos somente mais um velho e
anônimo João.
Com mais de
cinquenta anos a Bossa Nova já não é tão nova. O maestro Tom quando partiu
deixou a Garota de Ipanema meio viúva. Apesar dos ruídos e dos efeitos para ter
de novo e sempre um jeito moderno. É que agora somos assumidos efêmeros.
Impossível missão querer ser eterno. Tal a velocidade das coisas. Talvez Elis
soubesse: cantou como ninguém o melhor daquele “subgênero do samba” junto com o
seu criador maior Tom Jobim. E tal o poeta de alma sevilhana, que escreveu sair
de um poema como quem lava as mãos, Elis Regina dilacerou-nos até a morte
cantando no extremo.
Confesso meu
gosto particular comunga com o do poeta nordestino. Embora muito se fale que não gostasse de música, e tivesse
horror à possibilidade de ver seus poemas musicados. Vinícius de Moraes chegou
a brincar que ainda ia fazer uma canção para a poesia dele Poema(s) da cabra.
Perdoem por falar de coisas soltas de um passado. É que a memória puxa um fio
de um rio afluente de um vazio de quem já se lançou nas ondas do mar. Quem vai
chegar com um verso, uma nota ou um rabisco do precipício? Eu sinto falta de
quem canta no limite, onde começa o risco.