O SOCO DO INVISÍVEL nasce junto a um século em choque “Como o corpo da criança refugiada \ E afogada na praia”. O homem vive o nocaute da
modernidade “O humano está morto” e “O tirano está solto”. E os ombros já não suportam o mundo. Neste novo trabalho, Guerá Fernandes apresenta um livro de
motivos: “Porque o patrão fechou as
portas \ Porque o cavalo veio sem dentes \ Porque a árvore não deu seu fruto \
Porque a viúva não está de luto \ Porque a grávida pariu de susto”. São
olhos impactados em êxodo “O sonho não falava ossos \ Era um ossuário \ Como
livro de mistérios”. Assim o embate poético vai ao encontro das coisas
invisíveis, sem fugir do confronto com as coisas que não se quer ver. “E ainda assim o seu corpo \ Velado de
amor e morto \ Eterno marinheiro sem porto \ E antes mesmo de existido \ O
silêncio de sentida lágrima \ Deve ter havido o drama”.
Pode cantar talismã
Pode meu divã me saber todo
Pode ler minha língua
Saber meus detalhes traduzi-los
Meu invisível silêncio
Meu invisível depois ainda
Meu invisível outro
Ser de ti foi o meu ter existido
Posso morrer amanhã
Posso morrer em pleno domingo
Posso morrer dormindo
Sem um último suspiro que olhasse
Ter sido teu o meu mundo
Ter sido tão breve ou um segundo
Ter sido um lado num beijo teu
Já valeu teu lábio molhado no meu
Como um lutador
Voltando do nocaute
Sem saber de onde
Veio o soco
Como um lutador
Naquele segundo
Diante do mundo
Levanta-se enfim
É preciso beber
Uma dose de gim
Respirar fundo
E subir no palco
Como uma cantora
No seu camarim
Desesperada
Morrendo de susto
Como uma cantora
De voz tão rara
Que sofre por cantar
Tão belo assim
Deve ter havido uma noite
Dentro da noite escura
Sem chuva e sem raio
Primeiro deve ter havido
Um sonho antes da noite
Um sonho antes do sono
E ainda assim o seu corpo
Velado de amor e morto
Eterno marinheiro sem porto
E antes mesmo de existido
O silêncio de sentida lágrima
Deve ter havido o drama
Dentro da noite escura
Sem chuva e sem raio
Primeiro deve ter havido
Um sonho antes da noite
Um sonho antes do sono
E ainda assim o seu corpo
Velado de amor e morto
Eterno marinheiro sem porto
E antes mesmo de existido
O silêncio de sentida lágrima
Deve ter havido o drama