POR UM MOMENTO TRÁGICO
uma flor no córrego do peito que ri
uma floresta de porcos-espinhos fora de si
um jardim assim estrelado de borboletas
um rio na boca e a vista mais linda
uma rima clara e outra claríssima
uma casquinha do ovo no indício
um rolo que fez perder a cabeça e cair
um vale rompendo o esgoto do outro
uma montanha solta na curva do rosto
uma asa quebrada de belas incertezas
uma dúvida a mais na mesa antes da cerveja
ter a alta velocidade do arremesso
um defeito enredado aos crespos
um vício estranho deste tamanho
um impecável pecado novo na despesa
um cravo no joanete do pé direito
um jeito por pouco oco diante do louco
um olhar que às vezes revela aos socos
um amor que decidiu ficar esperando...
um rock português de além oceano
um bundalelê sambando da janela
um pulo do gato sem ser um gato
ter unh! um rei na barriga de quatro a sua espera
ter ainda assim dia após dia o nosso perdão
um ato com desacato bem na inversão do fato
um verso de alparcatas diante do seu assassinato
um gesto em que a palavra na trave
parece às cegas
um pedaço se repetindo do mesmo refrão
um meio pela metade da humana canção
um resto de segredos e espirais nos dedos
um beijo ferindo a ausência nos lábios
uma saudade do que se perdeu antes do começo
um momento em que o flerte é o que mais
pesa na mala
um torpedo que caiu do bolso no meio da sala
um cavalo em branco na folha de velhas tristezas
SONETO E GRAVATA
Mesmo sendo tarde
cumpra-se a fatura
nada mais de nós
mas a nossa loucura
E agora adiante
partir aos extremos
ainda que assim seja
esquecer os remos
Distraídos que somos
pouco acreditando
se partidos amamos
O amanhã inteiro
quem foi-nos primeiro
nos quais acordamos
QUADRA PELA MANHÃ
Qualquer palavra
Me faz uma prenda
A fala é dádiva
A palavra: oferenda
VERMELHIDÕES CREPUSCULARES
todos os momentos
como quem lava a escadaria de uma matriz
para quem sabe um dia se confessar
Ah, por estas águas rio...
Sei o viés das máscaras:
chegar, olhar, dizer o que ninguém mais diz
e ainda assim saber que foi amor
Se quiser adivinho seu sorriso
a lágrima que todos temos
a certeza dos sete palmos, o medo de ser feliz
Deixa chegar quem chegar
se pelo mar mais olhos há
vermelhidões crepusculares, a noite por um triz
NERVURA
Espreito a nervura
O ranger do osso
Meu peito sem preço
Dispensa tantas palavras
Não quero mais asas
Nem compro janelas
Sem quadro na parede
Da minha casa
Seu sorriso agora
Tarde e indevido
Sinceramente então!
É difícil mesmo
Rabo entre as pernas
E passar batido
POR TÃO POUCO
Quando se pergunta muito
Tá faltando assunto
O NÃO-OBJETO
atrás do pensamento
num lugar secreto
entre o esquecimento
e o vivo despertar
do que não se anuncia
espera o mundo pulsante
o não-objeto partido.
Mas seu suor
que escorre no vidro
cristalizado dos olhos
de nada desvia.
Congela a poesia.
Foi tudo ontem
o que aconteceu
pra seco pigarro.
Fumamos sem passar
o tempo,
sem um vento
no meio da fumaça.
Solidão era uma voz
no ar. Sem música.
Por esta porta
o acontecimento.
VIVER E MORRER
Deixarei a casa
Devido silêncio
Lágrima e riso
Tudo foi preciso
Mesmo quando
Vai o momento
O menor gesto
Teve seu vestígio
Amanhã será raro
O ontem de fardo
Sem que o diga
Um dia tão claro
Venha de fato
Rir-se do enigma
SONETO DE JEREMIAS
Pra Estamira
se de fora faço parte.
Terá arte nas artimanhas
de um mundo em seu desastre.
E toscas riem as palavras,
as mesmas... Face ao encanto
não ousam a flauta tocante.
Eu choro sem minhas lágrimas!
A chuva varre o barranco,
vai revelar a ferida terra.
E a árvore não cai.
Sua raiz desconhece o pouso
do grito, o urubu faminto:
o que não morre nem sonha.
Um comentário:
Caro,
seu email é o que está no perfil do blog?
Se for, confere lá. te mandei uma mensagem importante sobre "Na ante-sala da fala".
abç
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