segunda-feira, 1 de agosto de 2011

POR UM MOMENTO TRÁGICO


POR UM MOMENTO TRÁGICO



ter é nosso maior desperdício

uma flor no córrego do peito que ri

uma floresta de porcos-espinhos fora de si

um jardim assim estrelado de borboletas

um rio na boca e a vista mais linda

uma rima clara e outra claríssima

uma casquinha do ovo no indício

um rolo que fez perder a cabeça e cair

um vale rompendo o esgoto do outro

uma montanha solta na curva do rosto

uma asa quebrada de belas incertezas

uma dúvida a mais na mesa antes da cerveja




ter a alta velocidade do arremesso

um defeito enredado aos crespos

um vício estranho deste tamanho

um impecável pecado novo na despesa

um cravo no joanete do pé direito

um jeito por pouco oco diante do louco

um olhar que às vezes revela aos socos

um amor que decidiu ficar esperando...

um rock português de além oceano

um bundalelê sambando da janela

um pulo do gato sem ser um gato

ter unh! um rei na barriga de quatro a sua espera



ter ainda assim dia após dia o nosso perdão

um ato com desacato bem na inversão do fato

um verso de alparcatas diante do seu assassinato

um gesto em que a palavra na trave

parece às cegas

um pedaço se repetindo do mesmo refrão

um meio pela metade da humana canção

um resto de segredos e espirais nos dedos

um beijo ferindo a ausência nos lábios

uma saudade do que se perdeu antes do começo

um momento em que o flerte é o que mais

pesa na mala

um torpedo que caiu do bolso no meio da sala

um cavalo em branco na folha de velhas tristezas


(imperdoável é ter preço)

SONETO E GRAVATA




Mesmo sendo tarde

cumpra-se a fatura

nada mais de nós

mas a nossa loucura


E agora adiante

partir aos extremos

ainda que assim seja

esquecer os remos


Distraídos que somos

pouco acreditando

se partidos amamos


O amanhã inteiro

quem foi-nos primeiro

nos quais acordamos



QUADRA PELA MANHÃ



Qualquer palavra

Me faz uma prenda

A fala é dádiva

A palavra: oferenda


VERMELHIDÕES CREPUSCULARES



Eu represento minha poesia

todos os momentos

como quem lava a escadaria de uma matriz

para quem sabe um dia se confessar


Ah, por estas águas rio...

Sei o viés das máscaras:

chegar, olhar, dizer o que ninguém mais diz

e ainda assim saber que foi amor


Se quiser adivinho seu sorriso

a lágrima que todos temos

a certeza dos sete palmos, o medo de ser feliz


Deixa chegar quem chegar

se pelo mar mais olhos há

vermelhidões crepusculares, a noite por um triz



NERVURA



Espreito a nervura

O ranger do osso

Meu peito sem preço

Dispensa tantas palavras


Não quero mais asas

Nem compro janelas

Sem quadro na parede

Da minha casa


Seu sorriso agora

Tarde e indevido

Sinceramente então!


É difícil mesmo

Rabo entre as pernas

E passar batido





POR TÃO POUCO



Quando se pergunta muito

Tá faltando assunto




O NÃO-OBJETO





Por esta porta

atrás do pensamento


num lugar secreto

entre o esquecimento


e o vivo despertar

do que não se anuncia


espera o mundo pulsante

o não-objeto partido.


Mas seu suor

que escorre no vidro


cristalizado dos olhos

de nada desvia.


Congela a poesia.

Foi tudo ontem


o que aconteceu

pra seco pigarro.


Fumamos sem passar

o tempo,


sem um vento

no meio da fumaça.


Solidão era uma voz

no ar. Sem música.


Por esta porta

o acontecimento.



VIVER E MORRER




Deixarei a casa

Devido silêncio

Lágrima e riso

Tudo foi preciso


Mesmo quando

Vai o momento

O menor gesto

Teve seu vestígio


Amanhã será raro

O ontem de fardo

Sem que o diga


Um dia tão claro

Venha de fato

Rir-se do enigma



SONETO DE JEREMIAS

Pra Estamira



Não vou morrer de vergonha

se de fora faço parte.

Terá arte nas artimanhas

de um mundo em seu desastre.


E toscas riem as palavras,

as mesmas... Face ao encanto

não ousam a flauta tocante.

Eu choro sem minhas lágrimas!


A chuva varre o barranco,

vai revelar a ferida terra.

E a árvore não cai.


Sua raiz desconhece o pouso

do grito, o urubu faminto:

o que não morre nem sonha.


Um comentário:

Farley Rocha disse...

Caro,
seu email é o que está no perfil do blog?
Se for, confere lá. te mandei uma mensagem importante sobre "Na ante-sala da fala".
abç