DO CÉU DA BOCA
um caminhão de mudanças
Eu e minhas andanças
(Pouco tinha ouvido falar de novos espaços)
Eu quando buscava versos
partia-os passo a passo
- as estrofes aos saltos -
das linhas em branco era o que escrevia meu braço
Eu respirei fundo um dia
e durante toda tarde tateei-me
Supondo-me fora de mim: nem giz nem lápis
Só o pequenino “e” do primeiro caderno era eterno
Eu estava enlouquecido de estrelas nunca vistas
Não havendo mais infinito
que não fosse meu
as asas tatuadas e sem direção
Eu fui perdendo a gravidade
de cima dos meus sonhos eu não caia mais
e eu já não pertencia a ninguém
minha mãe e meus irmãos estavam conformados
Eu tinha escolhido me lançar
eu que sempre tive baixa resistência a realidade
ia agora como aqueles que vão à margem
desafiando os descaminhos da noite
Eu era a cidade e o mar a um quarteirão
minha poesia não me sustentava
amontoados de palavras
pondo ferrugem nas coisas
Eu não queria mais que aquele dia nascesse
desafiei a escuridão das musas
esperei pelo silêncio com fome
de algo que jamais fosse meu
Eu de novo passo a passo
como se amanhã não existisse
Nada quisesse. Eu entendia...
E bem antes da noite cair de risos, alta
Eu que tudo tinha não me
continha de tudo que tinha:
Morria extasiado de tantas conquistas
Vive-se sempre depois é do que nos falta
PRA FORA
Pra fora
toda hora
do céu
da boca
Pra fora
a maçã
e a nossa
aurora
Pra fora
já agora
luz temporã
Pra fora
a amora
da manhã
ESPELHO MÁGICO
Eu sou o bobo da corte
sem corte eu sou o bobo
da corte sem bobo eu sou
o bobo da corte sou eu
a corte do bobo sem eu
sou a corte do bobo eu
mas o rei também sou eu.
VERSOS TOLOS
Tolos são os versos
que não são sinceros
os ventos vêm
e levam nossos castelos
se pra falar de amor
for preciso mentir
olhar nos olhos
de quem mentiu e sorrir
Eternos são os sonhos
que nós esquecemos
enquanto dormimos
o melhor de nós
é quando partimos
e falamos sem voz
TÃO POUCO
Tenho eu também evitado palavra
ou movimento. Acredite: eu
não estou me colocando dentro.
Entro. Quando penso não é água
retida. É no que vai. Solto e
anonimamente num rio vou
embrenhando em mim, despenc
ando de mim. Então tá assim
e eu nem ouço: não tenho nada
de ninguém. No que sou você
vamos quando então nós
alcançamos que há outro no outro.
Que o outro já é outro que nem
conhecemos. Terrível é quando
tão pouco nos parece tão definitivo.
O que só ri de nós. Livre de nós.
Vozes. Eu não ouço o que eu ouço.
Saber ocupa espaço. Mesmo a canção,
ainda o vento... Divagações de tanto.
Tempo tenho tido mais lento.
Essas montanhas às vezes demoram
e são apenas minutos. Não que eu
tenha pressa. Pressa tem quem espera.
E há muito não espero pelos meses.
Tenho ido. Estou. E eu nem sei
o que sou. Assino desafinada divisão.
O que eu quero é cada vez mais meu.
Mais do que paz é preciso uma certa alegria.
Ser feliz é muito pouco.
OS HOMENS SE DESPEDEM DO MAR
Os homens se despendem do mar com suas roupas coloridas. Despedida é mesmo triste, mas sabido é que viver é um trágico aprendizado da morte. Sim, trágico, pois mal aprendemos. Nossos rituais, os mais bonitos ou os mais bárbaros, apenas se despedem da vida com seu anteceder que dói. Cotidiano e humano. Nosso oceano fotografado com nossas crianças felizes. O pedaço negro do filme revela que não somos de verdade. Mentimos nossa descarada felicidade. Interrompemos alguma coisa para dizer que somos sim felizes, que a vida apesar de tudo valeu a pena. Que luz é essa em clarão que explode pra nos justificar ainda mais? A natureza alimenta nossa vaidade. A natureza se vinga. Aqui e ali o seu deserto se alonga além dessa onda em camadas transparecendo e umedecendo a areia da praia. Não sei se esse balão sobe ou se é o cordão umbilical do mundo com seu acorde. De longe e mal focado apenas uma fotografia em que parece que os homens se despedem do mar com suas roupas coloridas.
3 comentários:
Rapazzzzz....você é incrível! Sua poesia deixa a gente sem palavras e olhe que vivo pela palavra e por causa da palavra, mas sua poesia me toma todas elas, me bebe, me sorve, me suga, me molha...Eu amo sua poesia!
Beijos!!!
Lu
adorei o que vi aqui Guerá...singular..assim como te vejo, vou segui=lo com prazer meu querido, sempre estarei te lendo! abraços Paulo
Caracas...Gostei muito...
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