FAZENDO SOL
Falo da água aparente – o corpo não é tanto –
A alma, não se engane, pouco muda
Você é você tão somente, não tem mais que um canto
O resto é abelha, é enxame, coisa estúrdia
Você se quiser que represente, ria de escárnio e espanto
Pense que assim comande. Não se iluda
Ninguém esconde o que sente, as palavras, a pele, estanho
E a pedra de quem ame a sua curva
Humanamente é a gente esperando algo esperanto
Nada que proclame em nós sua fúria
Se o corpo é moeda corrente, você pode dizer por enquanto
- Eu já fui! Então ande, vai na dura
A montanha de repente. Eu que já nem te amo
Te amo mesmo que me zangue, me ilhe a rusga
A raiva nasce inocente, o choro perde o pranto
Não me queira, não chame minha chuva
O OUTRO DE PERTO
Depois é tempo de outras palavras
porque assim de perto somos quase parecidos.
Não precisamos ter medo do outro.
O outro é só alguém com medo. E outros com muito.
E mais ainda nos aproximamos dos cães
latindo que somos ferozes.
Não, não quero mais metralhadoras
ainda que elas digam, agridam. Tendo dito.
Depois é tempo de não reinventar mais nada.
Finalmente podemos comemorar.
A bem da verdade estamos fartos de nós.
Aprendemos a dura lição da modernidade
Sexualizados, endiabrados, condenados...
É justa sua vaia, seu grito entre os aplausos
EU (Inconfidente)
Rio ao contrário, de noite sou água,
qual veio de dentro do canto das Iaras.
Sim! Sou pactuário. Não do diabo,
mas do deserto seco das palavras.
Mino entre montanhas, sol do meio-dia,
seja vale ou correnteza a espora da poesia.
Nas crinas que vento o mar imaginário
pensamentos são nuvens. Eu não me escudo.
Leito sobre o Saara sem mágoas. Por fim,
lágrimas são pra chorar seu veludo...
O que não é bom,nem sempre é ruim.
Em quais outras margens me teriam desnudo?
Em mim só a luz é úmida. Assim,
por este frio fio me queimo, translúcido.
ACÁCIAS IMAGINÁRIAS
Eu deveria saber mais sobre flores
que jamais reconheci pelo nome,
embora seja um dos seus cantores.
Eu deveria descortinar o longe
além de recíprocos dissabores.
Triste é outono de quem tão só se esconde.
Sem rumo o homem levanta rumores:
de onde vem, como se veste, o que come...
Quisera eu meus versos soassem tambores!
Sem hora por arrogante não me tome.
Também não me apresentei aos senhores:
fui rei, ladrão, e em tudo sou eu fome.
Ocidental de trocas e favores...
Subi a montanha e o grito não responde.
PRELÚDIO
Eu espero ser imprescindível!
Mesmo na urgência das palavras,
sílabas desarticuladas...
Eu espero estar no indizível,
nos lábios não pronunciados
que ausente em silêncio beijar.
Eu espero enquanto nada quero.
Viver é jamais chegar lá!
Ver as encostas, as gaivotas...
E ainda o mar, o mar de outro mar.
Esperar. O resto é invisível
momento do não-dito-infinito.
O REI, O MENDIGO E O LADRÃO
A viagem é longa e eu nunca estive mais
acompanhado. Não subi a montanha, não,
mas me tornei uma. Agora desço sempre
de mim mesmo. Cristalizado terror do eu.
Aprendi a estar só. Ser? Nada somos.
Dizem que em Jerusalém um dia um rei lá
podia não passar de um ladrão, e um mendigo
podia ter aos seus pés uma multidão. Então
depende de onde estamos nós. Pra onde
nós vamos tocando essa nossa estrada.
Eu por mim sentava debaixo de uma árvore
no meio do caminho. Senhor das pedras.
UM PORCARIA PIOR
Não, não fui bom. Pobre amante,
triste amigo. Em noites de poesia
gostava de ler e de ouvir. Sentir
a pulsação do outro e na minha
os ritmos pulando, descompassos.
Os amores se vão e as histórias nós
renovamos, nós compartilhamos nós.
Ah, meu amor! Então, meu amigo.
Eu quero pedir desculpas aos dois,
porque também não quero me sentir
bem. Fui um porcaria pior de nada.
Ali competindo a insensatez do outro,
a liberdade de uma idade que passa.
Nem tudo é uma questão de espírito.
Não se enganem: plástica é plástica.
E vem de dentro a nossa máscara.
A MONTANHA
Assim eu saí de mim
de dentro mim
eu vim assim de mim
eu saí de dentro de mim
assim de dentro de mim
eu saí de mim
assim de mim
e eu fui crescendo
de mim a mim
e era então fora de mim
eu vivia assim
fora de mim
era então fora
de dentro de mim
eu fui crescendo
de dentro de mim
eu fui crescendo
eu então de dentro
e fora de mim
eu explodi em sons
de dentro de mim
e eu era a montanha
desesperada de mim
crescendo na pedra
sem fim... sem mim
sem terra sem água
sem chuva de tarde
sem beijo no fim
Rolo em pedras distantes
de mim em sons explode
a montanha de mim
em pedras distantes
de dentro de mim
a montanha desesperada
de mim a mim
e quando eu crescer
quero ser paralelepípedos
pelas ruas, ainda que
irregulares e tristes
mas montanha
não quero ser
não, montanha, não
e não quero ser seu ânus
seu grande oceano beijando
sua boca na minha
era possível que amasse
a sua miragem
me esperando no deserto
e ainda assim me apavora
2 comentários:
então é melhor se paralelepípedo do que montanha?.....hmmmm.....não sei não sei.....
paralelebípedes eu não gostaria de ser.
Belíssimo seu mosaico poético! Mais uma vez arrasou!
Beijos!!!!
Tuas postagens são sempre intensas, e parece que agora, com a entrada da primavera, ficarão ainda mais vibrantes!!! Boas provocações, e bonito conjunto poético e imagético! Abraços alados!
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